terça-feira, dezembro 18, 2007

O Natal da discórdia

O autor aprofunda a crítica, deseja um feliz 2008, e se despede respeitosamente dos leitores de Carta Maior

(Bernardo Kucinski, para a Agência Carta Maior - os grifos são meus)

Minha crítica à greve de fome de Dom Luís ofendeu leitores e constrangeu Carta Maior. A direção segurou o texto por dois dias e quando o publicou, dele se dissociou: "Posições oficiais da Carta são assinadas por mim, Editor Chefe, pelo seu diretor-presidente, Joaquim Ernesto Palhares, ou por ambos". Assinado: Flávio Wolf de Aguiar, Editor Chefe. Leitores em penca reclamaram indignados contra sua publicação.

Já havia sentido a rejeição de muitos leitores ao modo irônico ou à crítica ao movimento ambientalista. Desta vez, parece que mexi num vespeiro. Levei o maior cacete. De fato, meu texto chega ao limite do sarcasmo porque fiquei revoltado com a distorção de informações sobre o projeto do São Francisco. Era preciso chocar para romper o emparedamento do debate. Mesmo porque está em jogo um divisor de águas no campo progressista que vai muito além do Rio São Francisco. Apesar de fugir ao meu estilo analítico costumeiro, adotando uma retórica dramática, eu tinha a boa informação.

Gostei do novo estilo. A maioria dos leitores, não. Vários me acusaram de desqualificar o bispo em vez de discutir seus argumentos. Quando enviei o artigo à redação, no domingo, dia 9, (com data para o dia 10), o bispo não havia explicitado seus argumentos em texto assinado. Só fez isso na Folha de S. Paulo do dia 12. Meu objetivo, que muitos leitores não captaram, era decifrar as razões da segunda greve de fome, já que, ao contrário da primeira, não a movia o motivo clássico desse gesto, que é forçar uma negociação. A partir dos pressupostos de que um governo democrático não poderia ceder à chantagem e o bispo, como um general da Igreja, sabia disso conclui que o Dom Luís queria mesmo era morrer. Foi ele quem se desqualificou. Eu apenas matei a charada, como diz um dos raros leitores que me apoiaram.

Agora, que o bispo explicitou seus argumentos, é possível refutá-los. Mas antes, quero falar de minhas divergências mais gerais. A primeira é em relação ao lugar do governo Lula na nossa história. Concordo com a maioria dos leitores que o governo Lula ficou aquém do que esperávamos, em especial na fase paloccista, e continua afogado em contradições. Lula fez uma aliança estratégica com os bancos? Fez. Eu mesmo apontei isso na Carta Maior. Mas criou o Pró-Uni, o Bolsa-Família, o programa Luz para Todos e o programa Quilombola; o programa de Agricultura Familiar, aumentou substancialmente o salário mínimo, dialoga com os movimentos populares; vestiu o boné do MST, o dos petroleiros e o das margaridas. Contribuiu para a o enterro da ALCA e promove a integração latino-americana. Criou o Banco do Sul e a TV Pública.

Não é pouca coisa. Não sei se tudo isso "mudará o Brasil". Sei que não quero entrar na história como um dos linchadores de Lula e de um governo que eu ajudei a eleger. Como disse Maria da Conceição Tavares, parodiando a confusão que se estabeleceu no Chile no governo Allende: "É um governo de merda mas é o nosso governo de merda."

Minha segunda divergência diz respeito à dimensão política da luta pela defesa do meio ambiente. Uma coisa é levar essa luta debaixo do tacão de um regime militar, outra coisa é no interior de um governo democrático, sensível às demandas populares e sobre o qual temos enorme influência, em especial nos aparelhos de Estado que cuidam do meio ambiente e dos programas sociais.

Divirjo também da doutrina de muitos movimentos ambientalistas. Quando fui procurado pelo Greenpeace, para participar de sua fundação no Brasil, lá pelos anos 80, instintivamente recusei.

Digo instintivamente porque somente há poucos meses topei com a teoria da minha recusa. Num pequeno artigo no Jornal do Brasil, Emir Sader dizia ser impossível tratar temas como a economia, sem considerar conceitos básicos da economia política, entre os quais o conceito de "imperialismo."

É isso. Uma coisa é uma agenda ambientalista endógena, concebida por nós, que considere nosso estágio de desenvolvimento, nossas necessidades básicas e nossa correlação interna de forças. Outra coisa é aceitar acriticamente a agenda que vem de fora. Ou não perceber que também na luta ambientalista, incidem o fator de classe e o fator imperialismo. O Norte com renda per capita de 30 mil dólares pode propugnar até mesmo crescimento zero ou de emissão zero de CO2. O Sul com renda per capita de três mil dólares tem que se orientar necessariamente pelo conceito do desenvolvimento sustentado, aquele que preserva o meio ambiente e os recursos naturais, mas garantindo as necessidades básicas da população presente.

Uma parte do movimento ambientalista brasileiro não se orienta pelo conceito do desenvolvimento sustentado e sim por um paradigma criado por sociedades já bem abastecidas em tudo, e que preferem atribuir ao nosso território o papel de uma gigantesca reserva florestal, indígena e de biodiversidade do planeta Terra. Não estão nem aí para as necessidades básicas da população brasileira.

Para atender essas necessidades e nos tornarmos uma sociedade minimamente civilizada, precisamos construir cinco milhões de moradias, e levar a elas água, eletricidade e esgoto.

Precisamos criar pelo menos trinta milhões de empregos. Erguer dezenas de escolas, hospitais e postos do Ibama e da Polícia Federal. Implantar vastas redes de transporte de massa, metrôs, hidrovias e ferrovias, tudo isso obedecendo padrões avançados de controle ambiental.

Os números são todos grandes. Mas temos recursos para isso. Nunca se ganhou tanto dinheiro no país com as exportações. É preciso lutar por políticas públicas que aloquem esses recursos em benefício da população, Mas os ambientalistas foram tomados pela cultura do não. Nada pode ser feito e, se for grande, é ainda mais condenável. Temos uma frente nacional "contra" os transgênicos, outra contra o projeto do São Francisco, e logo logo teremos, se é que já não temos, a frente nacional contra as barragens, contra o uso de células tronco e contra as estradas de integração continental. É o autismo frente às carências do povão, o fundamentalismo na luta pelo meio ambiente, e o ludismo na reação contra os avanços da biotecnologia.

Deveríamos ter, isso sim, uma frente nacional pelo zoneamento agrícola, outra pelo imposto sobre a exportação de commodities, e mais outra pela atualização dos índices de produtividade agrícola (sem o que é impossível a desapropriação para fins de reforma agrária). Uma frente nacional pela ocupação ordenada da Amazônia, outra pela integração continental. Tínhamos que pressionar pela recuperação das pequenas hidrelétricas, desativadas pelo regime militar e lutar ao mesmo tempo pela construção das de maior porte, por gerarem energia limpa, renovável e barata, a um baixo custo social.

Na oposição ao projeto da adutora do São Francisco, os traços de fundamentalismo se adensaram perigosamente, quando a Igreja se meteu na história. Leiam de novo a mensagem de apoio de Leonardo Boff a Dom Luiz, enviada por um dos leitores indignados com meu artigo. O mesmo Leonardo Boff que observou dias atrás ser incorreto discutir a existência de Deus à luz da ciência, porque a fé é uma questão de imaginação e espiritualidade, agora convoca a fé para combater um projeto terreno de captação de águas de um rio. "Acompanho com respeito e sustento com todo o coração sua decisão de doar a vida para que haja mais vida para os pobres e para o rio São Francisco... Sua opção não é a de um suicida mas de um homem livre, capaz de amar até o fim, amparado no Deus de Jesus ..." E vai por aí a fora, citando passagens da escritura e invocando repetidamente o nome de Deus.

Lembrei-me do segundo mandamento: "Não invocarás o nome de Deus em vão". E também do oitavo: "Não levantarás falso testemunho." Isso porque são falsos os argumentos de Dom Luiz, da CPT e da CNBB contra o projeto. Há restrições e críticas sérias ao projeto, mas as dos bispos são inconsistentes, resvalando para o demagógico.

O bispo começa pelo argumento de que Lula não tinha mandato para tocar esse projeto porque evitou discuti-lo durante a campanha eleitoral. Disso conclui que Lula governa autoritariamente, que Lula e não ele é o inimigo da democracia. "Vivêssemos numa democracia republicana, real e substantiva, não teria que fazer o que estou fazendo," escreve Dom Luís. Outro bispo, Dom Tomás Balduíno, em artigo no Estadão, vai além: diz que "quem dividiu o país, e até a Igreja, foi Lula e não Dom Luís Cappio."

Vamos perdoar a menção a uma "democracia republicana" por parte de uma Igreja que se opõe ao divórcio e ao uso da casmisinha. Digamos que foi um erro de digitação. Esses bispos se esquecem que depois de Lula ser eleito, a história seguiu seu curso e ele também foi re-eleito, numa segunda campanha em que a prioridade dada ao projeto já era notória. E mais: o presidente recebeu votação esmagadora na re-eleição exatamente nos Estados do Nordeste, onde vai se dar essa importante intervenção.

Lembro ainda que, por ordem do presidente, o ministro Ciro Gomes agendou uma rodada de discussões com Dom Luiz, como parte do acordo para acabar com sua primeira greve de fome. Mas Dom Luís não compareceu. Foi ele que não quis discutir.

O bispo escreve e repete que 70% da água transposta vai para uso industrial, 26% para uso agrícola e 4% para a população difusa. Isso provaria que o projeto foi feito para servir grandes empreendimentos agro-pecuários e industriais. Mas a verdade é que as águas vão perenizar os mesmos rios e abastecer exatamente os mesmos sistemas municipais, açudes e sabespes, atualmente em operação, e que já sofrem crises periódicas de abastecimento mesmo na ausência de secas.

Não encontrei no Relatório de Impacto Ambiental, (RIMA) os números do bispo, por mais que procurasse. Encontrei sim este trecho: "A demanda urbana das áreas que serão beneficiadas pelo empreendimento foi avaliada em aproximadamente 38 metros cúbicos por segundo no ano de 2025. Desse total, cerca de 24 metros cúbicos por segundo correspondem ao consumo humano e 14 metros cúbicos à demanda industrial". Portanto, pelo menos em relação à proporção demanda humana-demanda industrial, o bispo está errado. Diz ainda o RIMA: "o projeto foi planejado procurando atender o maior número de pessoas possível."

Confira em www.mi.gov.br/saofrancisco/integracao.rima.asp.

A adutora não foi feita para abastecer nenhum projeto especifico de agro-business ou industrial; ela reforça as adutoras e açudes já existentes, dando ao Nordeste uma perspectiva de longo prazo de desenvolvimento econômico, urbano, agrícola. O bispo não menciona quais seriam esses projetos gigantes. Procurei exaustivamente e acabei encontrando a origem da desinformação: um documento da Comissão Pastoral da Terra, hoje a principal produtora de falácias contra o projeto ao ponto de desbancar a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) que não admitia perder uma gota do rio que aciona seus geradores em Paulo Afonso.

A CPT alega que a adutora "vai servir para a siderúrgica do Pecém, vai servir para a agroindústria do Apodi." Ora, a siderurgia do Pecém fica próxima ao litoral, no Ceará, distante centenas de quilômetros do ramo Norte do projeto, que mal entra no Ceará, desviando-se em direção à Paraíba e Rio Grande do Norte, depois de reforçar o Riacho dos Porcos. Desse riacho até Pecém são centenas de quilômetros de rios que até mudam de nome e passam por açudes diversos. Não tem nada a ver com a siderúrgica, que já tem abastecimento local assegurado de 2 metros cúbicos por segundo, para um consumo de apenas 1,73 metros cúbicos por segundo.

Esses dados foram admitidos pela Agência Brasil, do MST (www.brasildefato.com.br). Como contradizem o argumento da CPT, a agência alega que no futuro, quando outras indústrias forem atraídas pela siderúrgica, "caso o complexo prospere, a demanda de água superará a oferta atual".

Notem o ato falho na utilização da palavra "prospere". Eles não querem que nada prospere. Também omitem que a siderúrgica vai produzir placas grossas, para exportação, e não as placas finas que atrairiam empresas metalúrgicas de processamento.

Mais falacioso ainda é chamar a agricultura de Apodi de agro-business, ao modo de um palavrão que desclassifica tudo. Apodi é uma história de sucesso e exuberância agrícola e grande diversidade de produção e formas de propriedade. Ali cresce, graças à Embrapa, a mais produtiva variedade de acerola. Ali o governo federal está implantando um projeto específico de financiamento da agricultura familiar. Ali existem seis assentamentos agrícolas e três cooperativas de produtores. Ali o governo instalou também um projeto de três mini-fábricas familiares para o processamento da castanha do caju, e um outro que vai beneficiar 400 pequenos produtores de mel. Um único projeto de irrigação em andamento no Apodi, com água pressurizada, vai atender mais de 200 agricultores.

Todas essas falácias e mais algumas foram inventadas pela CPT depois que se desmoralizou o argumento principal anterior de que a adutora ia secar o Rio São Francisco. Ocorre que em julho de 2004, depois de intensos debates técnicos, o governo inverteu a lógica do antigo projeto pelo qual as águas do São Francisco seriam transpostas para os sistemas do semi-árido sempre que seus açudes estivessem baixos, sem levar em conta o nível da represa de Sobradinho. Ficou decidido que será retirada uma quantidade mínima para garantir o consumo humano, e só quando Sobradinho tiver excesso de água, a captação será maior. Na sua nova formulação são retirados 26,4 metros cúbicos por segundo, cerca de 1% da vazão no local da captação, e somente quando Sobradinho estiver vertendo, ou seja, botando fora excesso de água, a captação pode aumentar, mesmo assim até o limite de 87,9 metros cúbicos. O RIMA estima que na média anual, a perda do rio vai ficar em 65 metros cúbicos por segundo.

Mas no sertão beneficiado o ganho é muito maior porque ao eliminar a insegurança a adutora diminui a necessidades de armazenamento dos açudes existentes, reduzindo as perdas por evaporação de seus espelhos de água em 22,5 metros cúbicos por segundo. É um efeito de "sinergismo, que segundo o RIMA, nunca existiu antes em projetos de adutoras. Por tudo isso, a nota técnica 492 da Agência Nacional de Águas (ANA) de setembro de 2004 avalizou o projeto.(www.ana.gov.br). Um ano depois a ANA concedeu ao Ministério da Integração a outorga definitiva para o uso dessas quantidades, através das resoluções 411 e 412. Está tudo na internet. Aliás, o portal do Ministério do Meio Ambiente, que abriga a maioria dessas informações, é muito abrangente.

Sem o argumento de que o rio vai secar, os padres passaram a argumentar que há um outro projeto, o Atlas do Nordeste, elaborado pela ANA, mais barato, custando apenas R$ 3,6 bilhões, metade do custo do São Francisco, e beneficiando três vezes mais gente, 44 milhões. É tudo falso, no atacado e no varejo. Ou um "equívoco", como diz educadamente o presidente da ANA, José Machado: "Em primeiro lugar o Atlas não pode ser considerado um programa ou projeto. É na verdade, um portfolio de eficientes soluções técnicas para serem eventualmente financiadas. Não visou equacionar o problema da segurança hídrica do Nordeste, uma vez que não se tratou do atendimento de usos múltiplos da água, como a produção de alimentos e irrigação. Também não foi considerado o abastecimento das sedes municipais com menos de cinco mil habitantes, dos distritos, vilas e núcleos rurais. Por outro lado, o projeto de Integração do São Francisco com as bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF) é um projeto de desenvolvimento regional com perspectiva de conseguir benefícios que se estendam para além de 2025. O Atlas e o PISF são, pois, iniciativas distintas, em sua gênese, seus objetivos e em sua área de abrangência. Não são conflitantes".

Apenas um quinto dessas soluções técnicas já tinha projetos, mesmo assim abandonados. O Atlas é um mapeamento do que prefeitos deveriam ter feito e não fizeram. Mostra que é assustador o número de municípios com mais de cinco mil habitantes em situação critica de abastecimento de água: 90% deles em Alagoas, 81% no Ceará, 65% no Rio Grande do Norte e assim por diante. O motivo é simples: é o controle da maioria dessas prefeituras por grupos locais de interesse, fazendeiros e forças conservadores ou prefeitos corruptos. Além disso, abarca apenas metade dos 2116 municípios dos dez estados analisados, os que tem mais de cinco mil habitantes. Portanto é o oposto do argumento dos bispos, de que suas soluções atendem os pequenos enquanto a transposição atende os grandes. É falso também que beneficiariam 44 milhões de habitantes. Essa é população total da região e não a população específica dos municípios mapeados.

Outro argumento falacioso é o de que o governo preferiu o grande para favorecer as empreiteiras e por isso abandonou o projeto das cisternas. Trata-se da falácia da falsa premissa. Não é verdade que o governo preteriu o projeto das cisternas. O governo apoiou com entusiasmo desde o início a proposta da Articulação do Semi Árido, que reúne 700 ONGs, incluindo-a no seu programa de Combate à Fome. Foi criada uma entidade especial para gerir o programa, que recebe recursos do governo e de empresas privadas. Lula inaugurou a primeira cisterna, justamente para dar força ao projeto. Trata-se de um projeto sofisticado, em que os moradores mesmo constroem as cisternas recebendo treinamento e suporte de uma rede de ONGs. Quando as ONGs, para as quais foram repassados os recursos se revelaram vagarosas demais, o governo entrou de sola para acelerar o programa e no último mês de julho o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome lançou o edital 13/07, oferecendo mais R$10 milhões a entidades que queiram entrar no programa. A meta de construir um milhão de cisternas está de pé. Já foram construídas 220 mil.

Cada cisterna consegue armazenar pelo menos 10.500 litros de água, o suficiente para necessidades básicas de uma família de cinco pessoas. Mas não o bastante para uso agrícola, mesmo no caso da agricultura de subsistência. As cisternas são a solução para água de beber, de banho, de cozinhar e lavar em residências isoladas, esparsas, na área rural, onde os sistemas municipais de abastecimento não chegam. Não podem ser construídas nas cidades. Um projeto complementa de forma ideal o outro.

Nos últimos documentos da CNBB, em textos de Frei Betto, de Leonardo Boff e outros, surgiu um novo argumento, o de que o projeto "não vai levar água aos índios e quilombolas". Tanto quilombos quanto aldeamentos indígenas por definição se situam em regiões isoladas mas com boa oferta de água. Foram os locais onde se fixaram, fugindo dos bandeirantes assassinos e capitães de mato. A esses locais o Luz para Todos está levando eletricidade, que não havia. Mas água já tem.

Os padres também alegam que o projeto é pleno de ilegalidades. É bem o contrário. Seus opositores é que vem se valendo de truques legalísticos, para obstar projetos que passaram por todos os crivos técnicos das agencias reguladores e todos as votações de comitês de bacias.

Entram na justiça com pedidos de liminares, sabendo que justiça vai demorar anos para entrar no mérito. Sempre que o mérito é julgado, o projeto é aprovado. Além disso, ambientalistas tem impedido o fechamento de atas de audiências públicas à força. Várias das audiências do São Francisco foram interrompidas à força. Eu pergunto: de que lado está o autoritarismo?

Termino perguntando: Será que por trás dessa campanha contra a adutora do São Francisco não está o ressentimento pela perda do rebanho dos pobres, que hoje têm um cartão Bolsa-Família? Ou dos pobres que se libertariam da opressão da falta de água no Nordeste? Ou será que estamos testemunhando o enquadramento da Igreja de Libertação na encíclica Spe Salvi, lançada pelo papa e ex-corregedor da fé, Ratzinger, o mesmo que pediu a expulsão de Leonardo Boff da Igreja?

Essa encíclica reafirma a renúncia à libertação terrena em nome de uma salvação na dor e na morte. Além de lembrar vivamente a tragédia de Dom Luís, é imobilista e reacionária. Deixa o campo da história para as forças conservadoras deitarem e rolarem, impedindo a Igreja de Libertação de disputá-lo com um projeto secular de transformação social.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Que o bispo não morra, nem o rio

São Francisco nos ajude a ser solidários com todos os pobres do nordeste e as populações ribeirinhas, e ao mesmo tempo nos livre dos fundamentalismos religiosos ou ecológicos.

(Luis Alberto Gómez de Sousa, sociólogo, ex-funcionário das Nações Unidas e diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes, para a Agência Carta Maior)


Para quem gosta de análises lineares e simplistas, onde não entram as contradições da realidade, é difícil ouvir os dois lados de um problema, encerrando-se cada um em seu absoluto. O problema da transposição do São Francisco tem elementos humanos, ecológicos e técnicos, às vezes de difícil harmonização. Entretanto, uma análise madura não pode escamotear a multiplicidade de ângulos e de tensões. Ficar só com os primeiros elementos é encastelar-se numa ética sem raízes materiais; optando só pelo último é encerrar-se num tecnicismo frio. As populações ribeirinhas das barragens do Uruguai ou de Tucuruí, ainda ontem, sofreram violências, as últimas vivendo o envenenamento pelo apodrecimento das madeiras submersas. Ambas tinham razão ao defender seus direitos. Mas ao mesmo tempo, as barragens e as usinas são necessárias se queremos energia para transformações na infra-estrutura produtiva. Em meu tempo como chefe na FAO, pude sentir como técnicos da Codevasp se interessavam, sobretudo, pela arquitetura interna dos projetos como o de Sobradinho, com pouca sensibilidade diante dos problemas humanos das populações atingidas. Mas estas, por sua vez, nas mãos de assessores ideológicos radicais, não recebiam as informações necessárias para uma tomada de posição mais abrangente e realista.

Fernando Lugo, ex-bispo e possível novo presidente do Paraguai, tem razão de questionar a maneira como seu país foi tratado, na construção de Itaipu, pelos governos militares brasileiros, mas não pode esquecer também o papel nefasto dos políticos corruptos paraguaios que se locupletaram amplamente. Por outro lado, é necessário constatar tudo o que Itaipu representa de avanço para o país. Há geralmente dois lados na realidade.

Tenho amigos técnicos que estão convencidos de que a transposição é viável, necessária e positiva, se tomadas algumas precauções. Outros se opõem também com argumentos técnicos. Há aí um debate sério que vem sendo realizado, com a presença de Dilma Rousseff, Marina Silva e outros membros do governo. Mas evitemos escapar pela tangente do tema: opor transposição ou cisternas, medidas que podem ser ambas necessárias e caminhar como paralelas. Alias, o plano de um milhão de cisternas está sendo realizado com a participação do governo, da Caritas, da ASA e de parceiros internacionais. Poderia alcançar mais rapidamente as metas, mas já vai chegando aos poucos a níveis expressivos. Uma alternativa não substitui a outra.

Que o plano técnico de uma possível transposição tem de levar em conta os interesses das populações ribeirinhas é inquestionável. Mas há também que entender as necessidades de outras áreas do semi-árido, onde sub-regiões mais ao norte da Bahia têm necessidades imperiosas. Acompanhei, na Conferência dos Bispos, desde alguns anos, fortes diferenças entre os que provinham dos diversos nordestes.

Observando nestes dias manifestações acaloradas contra a hidrelétrica do Madeira, com custos ao que faz crer razoáveis e benefícios a longo prazo para gerar energia, prevejo o mesmo tipo de protestos para as outras hidroelétricas na região. Que empreiteiras como a Odebrecht pensem basicamente nos seus lucros, faz parte da lógica perversa do sistema. Compete às outras empresas públicas e ao Estado chamar a atenção para os problemas humanos e ambientais. Porém, os que protestam, uma vez mais, não têm ao lado deles assessores capazes de ir muito além do emocional e do ideológico. No começo da revolução industrial, os pequenos produtores artesanais destruíam máquinas e novos teares, que punham em perigo seu ganha pão tradicional. Mas sabemos o que a nova tecnologia trouxe de avanço histórico. Por desinformação, no começo da industrialização soviética, os operários levavam as máquinas para suas casas. Veio a reação oposta e dura dos tecnocratas querendo defender os interesses do novo estado (e seu poder como nomenclatura nascente) que, superando um tempo de transição da NEP, chegou ao pior e repressivo stalinismo, que dizimou operários e camponeses. Estaremos prisioneiros de falsas ou simplistas alternativas?

É claro, precisamos de fontes de energia limpa, não poluidoras; as eólicas são bem-vindas, mas estão engatinhando. Temos outras fontes alternativas que a criatividade brasileira vem experimentando. Alguns pedem as nucleares, mas depois de Chernobyl dá para ficar um pouco reticentes. E o Brasil tem incríveis recursos hídricos. Os ambientalistas são contra umas fontes e outras. Mas o que fazer, prepararmo-nos para apagões mais à frente e um enorme freio à produção e à geração de emprego, em nome da defesa da natureza, como se as pessoas não fossem parte do planeta? Há um ecologismo fundamentalista paralisante.

A China cresce acelerada à força de uma terrível poluição - emulando os Estados Unidos -, desenraizando populações rurais e com o uso de trabalho praticamente escravo. Um filme chinês recente mostrava os resultados terríveis e destruidores para grandes populações rurais com a construção de uma enorme barragem. Em Nova Déli, vi com espanto um processo acelerado de industrialização convivendo com populações morrendo nas ruas, rodeadas de vacas sagradas intocáveis. Não haverá outras saídas? Como unir transformações econômicas indispensáveis com políticas sociais agressivas? Quando se fala das primeiras, ouvimos afirmações contundentes: políticas neoliberais. E diante das segundas os mesmos clamam: assistencialismo. No fundo há um cheiro azedo de má vontade principista.

Fala-se de transformações estruturais necessárias. Há que saber defini-las bem e entender que, para sua efetivação, há um processo longo e não instantâneo pela frente. Ou gostaríamos de recair nas receitas estatizantes e dinossáuricas do socialismo real que apodreceu? É imperdível o filme alemão A vida dos outros, para os que tiveram crises com o fim inglório de uma contrafação de socialismo. Em nome da recuperação de um socialismo democrático, com o qual penso alinhar-me, transformações têm a ver com o crescimento gradual e difícil das forças produtivas, unido à criação de novas relações de produção, sem as quais os avanços seguem nas mãos dos setores dominantes. Mas sem as primeiras, teríamos estagnação que também recairia sobre as populações menos favorecidas. Não está já sendo experimentado, diante de nós, um círculo virtuoso em gestação, entre políticas econômicas concretas e ambiciosas e políticas sociais efetivas? Os dados dos últimos dias mostram um PIB crescendo 1,7% no ultimo trimestre do ano e 5,6% frente ao mesmo período em 2006. A meta de crescimento de 5% anual vai se fazendo plausível. A aceitação do governo cresceu em três pontos, na última pesquisa Ibope desta semana, apesar de campanhas violentas contra ele nos grande meios de comunicação. 51% dos entrevistados acha este governo ótimo ou bom. O povo sente na pele os resultados, mais que os ideólogos encurralados em seus preconceitos e no desconhecimento do país real. Nem se deram conta do impacto de programas tais como luz para todos, que mudou o cotidiano do mundo rural. Por outro lado, a derrota da CPMF num senado elitista e cheio de chantagistas que absolveu Renan, representa o fim de um imposto que favorece os mais pobres.

Em texto anterior, referi-me a posturas ideológicas - para Marx visão invertida da realidade - que não conseguem subir do abstrato dos princípios de um idealismo filosófico, à materialidade do concreto. Há atualmente um udenismo de esquerda que bate monotonamente na tecla de um moralismo sem raízes no real, principista e absolutista. Os que vivemos no Chile a sabotagem do MIR ao governo Allende, em aliança de fato com os golpistas, acreditamos estar vacinados contra essas posturas.

Vejamos neste contexto a Igreja Católica, com o bispo de uma diocese baiana pobre - Barra - no seu segundo jejum. Tivemos uma grande geração de bispos latino-americanos que começou com D. Hélder, Leonidas Proaño no Equador, Mendes Arceo no México, quase todos agora mortos ou aposentados. Mas ainda estão aí, atuantes e mais livres, pois sem responsabilidades administrativas, Pedro Casaldáliga, José Maria Pires, Cardeal Arns, Tomaz Balduíno, Waldyr Calheiros, Clemente Isnard. Partiram cedo demais Franco Masserdotti e Jorge Marskell, mas segue conosco Moacyr Grecchi e foram surgindo o valente Demetrio Valentim e o indomável Erwin Krautler. É interessante que vários são estrangeiros, mas assumiram com paixão sua condição de brasileiros. Algo se move no episcopado. Nas últimas eleições para presidente, não foi eleito o secretário geral anterior, candidato natural à presidência, hoje cardeal, mas o sucessor do grande Luciano Mendes de Almeida em Mariana, o inteligente e receptivo Geraldo Lírio.

E entre eles, há anos foi surgindo uma figura iluminada, grandes olhos alternando transparência quase ingênua com firmeza de convicções, o franciscano Luiz Flávio Cappio. Chamei-o uma vez, em reunião de bispos, "meu bispinho", nova luz e esperança. Ainda frade, fez por um ano a bela romaria das nascentes do São Chico à sua foz, tão bem analisada em sua tese de doutorado por Nancy Mangabeira Unger, em texto que merecia ser publicado. Em reunião de seu regional, recém nomeado bispo, falou de temas congelados da Igreja (celibato obrigatório, ordenação de casados e de mulheres...), o que lhe valeu uma reprimenda inoportuna e fora de lugar do núncio. Trazia nele luz própria e alguma coisa de profeta. Porém, já na primeira greve de fome, preocupou com uma inflexibilidade e um absolutismo num caminho de difícil retorno.

Os profetas, por mais incisivos e ásperos que tenham sido, sempre deixaram abertas as portas para o reencontro. Isso está claro em Isaías , profeta da dor pungente - o servo sofredor – mas também da alegria. Jó, no despojamento mais absoluto, não se isolou e obteve de Iahweh a reconciliação. Faltou algo semelhante nas atitudes de Cappio em defesa de seu rio. Digo isso porque me move para com ele um grande carinho e sinto uma expectativa posta em questão.

Depois daquele primeiro gesto extremo houve discussões, estudos e contribuições ao nível do social, do político e do técnico, até chegar a um projeto que venceu muitas barreiras e dúvidas, mas que certamente é sempre passível de revisões e de aperfeiçoamentos. E agora o gesto volta novamente numa radicalidade de não retorno. Antes de tudo, fica o receio de um resultado extremo na saúde e na resistência de figura tão singular. Mas devo dizer que muitas vezes, nos mais luminosos exemplos do mundo católico, dos melhores bispos e das mais generosas pastorais, sinto que têm dificuldade em manejar as mediações entre o mundo da Fé e as dimensões da política ou da técnica, numa absolutização mortal da primeira, com uma ética sem nuanças, podendo cair num moralismo atemporal e autodestruidor.

O que me faz desenvolver estas reflexões sofridas, porém impacientes, é a consciência preocupada da instrumentalização dos gestos de Luiz Cappio. Políticos do DEM viram romeiros, levanta-se uma certa esquerda, sempre à espreita para posicionar-se contra, às vezes com estardalhaço e emocionalidade. Interesses políticos não estarão capturando o gesto que parecia num primeiro momento profético e o aviltando? A profecia deve sempre ser livre e questionadora nas várias direções e não presa a uma bandeira ideológica que a apequene. Surge uma crítica ao governo em geral, com ares de oposição política, onde se fala até de ditadura hoje e de uma futura e indefinida democracia real.

Além disso, muitos vêm falando em martírio, o que parece grave e perturbador. Chesterton dizia que por acreditar realmente em milagres era contra seu uso banalizado, o que o levava a não acreditar nos apregoados milagres ao atacado. Algo parecido se passa com um ato tão sério como o martírio. Não basta apresentá-lo em nome de uma Fé mal explicada e reduzi-lo na defesa dos ribeirinhos do São Francisco, sem levar em conta outros pequenos ou pobres de diferentes partes do semi-árido e destes brasis afora. Tenho dificuldade de ver martírio na defesa de um rio, por mais simbólico que seja o Velho Chico. Respeitemos a seriedade e a radicalidade da noção de martírio.

Sei que me ponho com isso em contraponto com alguns companheiros de caminhada, mas há momentos em que calar é impossível, sem receio de perder simpatias e reconhecimentos. Não fazer isso seria solução de facilidade ou de oportunismo. É preciso ter coragem de dizer coisas difíceis e sofridas - com o risco, é claro, de engano ou simplificação -, mas na contramão de uma fácil unanimidade emocional.

Meu carinho por D. Cappio me obriga a posicionar-me fortemente contra sua instrumentalização, abastardando um gesto nobre, mas de uma radicalidade absolutizada, capturada por intencionalidades mais que discutíveis. Retome-se um diálogo adulto, de parte a parte, governo e bispo, mas fica difícil se este último se encerra na inflexibilidade de um absoluto não dialógico. Ao mesmo tempo, há que denunciar em voz alta o uso indevido de um testemunho para destruir um processo histórico brasileiro que caminha, certamente com falhas e dificuldades como todo processo histórico. A não ser que queiramos a volta revanchista de um tucanato sem compromissos com o país e com seus pobres; ou então entregar-nos aos devaneios vagos de um idealismo mal definido e jogando esperanças para um amanhã sem rosto nem data, fora de processos reais. Não é possível deixar um sinal escorregar em contra-sinal, capturado por intenções escusas. Bernanos, num de seus romances, mostrou com o melhor dos pastores, por ingenuidade ou moral sem raízes no cotidiano, pode cair prisioneiro de oportunismos inconfessáveis à espreita. E o que poderia ser testemunho e sinal - sacramento - se encolheria numa bandeira menor e mesmo eleitoreira, podendo também cair nas mãos dos que esperam processos futuros puros, improváveis e idealizados.

Aplica-se o que creio que Merleau-Ponty disse de certos cristãos: não têm mãos sujas simplesmente porque não têm mãos. Seria um triste fim para um gesto que começou desprendido e generoso. Francisco de Assis ajude seu irmão e filho Luiz a um discernimento concreto de real fidelidade com os mais variados pobres e excluídos deste país e o livre de um clima contaminado por políticos mal-intencionados ou por um moralismo cego, que é a própria negação de uma ética inserida numa história concreta da libertação.

Políticas sociais geraram empregos formais e recuperaram salários, aponta Ipea

(Sabrina Craide, repórter da Agência Brasil)

Brasília - As políticas sociais na área do trabalho e emprego possibilitaram uma recuperação dos salários e a ampliação do emprego formal, seguidas do aumento da taxa de cobertura dos segurados da Previdência no ano passado. A análise consta da 14ª edição do estudo Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise, divulgado hoje (13) pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea).

O número de empregados com carteira assinada passou de 39,7% em 2003 para 41,4% em 2006. Já os empregados sem carteira passaram de 15,5% para 14,8% no período e o número de autônomos caiu de 20% para 19,1%. Isso ocasionou o aumento da contribuição previdenciária total. Entre 2003 e 2006, a proporção de pessoas que contribuem para a Previdência aumentou 11,9% no país.

Também foi constatada uma queda na desigualdade de rendimentos. Os menores salários tiveram os maiores ganhos reais, com até 9,6% entre os 30% mais pobres. Segundo o estudo, isso foi motivado pela valorização do salário-mínimo, pela ampliação da ocupação e pelo aumento da participação previdenciária. Os mais bem remunerados tiveram aumentos menores, com ganho real de 3,7% entre os 20% mais bem pagos.

"A recuperação do salário é um dos elementos mais importantes, porque foi acompanhada da ampliação do emprego formal. E isso é fundamental porque aumenta a taxa de cobertura de segurados da Previdência, que vinha em queda e volta a subir", afirmou o diretor de Estudos Sociais do Ipea, Jorge Abrahão.

Segundo ele, hoje 45% da população economicamente ativa está coberta pela Previdência. Para Abrahão, o ano de 2006 foi "extremamente interessante" para o mercado de trabalho.

"É possível afirmar ter havido uma melhora geral das condições ocupacionais no mercado de trabalho metropolitano brasileiro em 2006, comparativamente aos anos imediatamente anteriores", afirma o estudo.

Vitória de Pirro

(por Miguel do Rosário)

Um dos senadores da oposição subiu ao palanque com cópia do site do Globo Online, onde aparece pesquisa com apoio esmagador ao fim da CPMF, o que comprova o poder, de fato, que a imprensa possui de influenciar o voto dos senadores, através da manipulação de estatísticas que não correspondem, nem de longe, a critérios democráticos que espelhem de fato a opinião pública nacional. Se pesquisa por telefone tradicionalmente conduz a um grande elitismo em seus resultados, uma pesquisa realizada exclusivamente por internet, dentro de um jornal cuja linha editorial tem sido a de uma oposição intransingente ao governo Lula e a tudo que ele defende, apenas distorce o debate político, fazendo prevalecer a opinião de um percentual insignificante da sociedade brasileira.

Os tucanos fizeram ouvidos de mercador aos apelos dos governadores de seus próprios partidos sobre a importância da CPFM. Os senadores tucanos se importam mais com a opinião de setores da imprensa de direita do que com governadores que representam uma quantidade de votos infinitamente maior que a deles.

O povo brasileiro foi derrotado, mas não é a primeira vez. A história do Brasil é uma história de derrotas inflingidas à parte pobre da população.

Acompanhei a votação da CPMF pela internet. Escutei discursos inflamados de senadores de todos os partidos. De fato, foi um belo dia para o senado brasileiro. Mas um péssimo dia para o país. A oposição agiu de forma absolutamente radical e irresponsável ao eliminar um imposto com o qual governadores e prefeitos contavam para 2008, e que, segundo a proposta do governo federal, seria integralmente destinado à saúde pública.

A votação mostra mais uma vez como o Senado se tornou o grande bastião do conservadorismo brasileiro. Com mandato de oito anos, os senadores eleitos há seis, sete, oito anos não refletem o Brasil de hoje. Eles querem produzir uma crise para causar erosão na popularidade do presidente Lula. Tiraram-lhe agora a verba que o governo usava para bancar o aumento nos investimentos em saúde, no bolsa família e no pagamento das aposentadorias rurais.

O impressionante nesta votação foi que todos os secretários de saúde dos estados e os quase seis mil prefeitos do país encaminharam pedidos aos parlamentares pedindo a prorrogação da CPMF. Os mesmos senadores que votaram contra a CPMF são os mesmos que vem praticando oposição sistemática, sempre com ajuda da imprensa, contra o governo Lula.

O ex-presidente José Sarney fez um excelente pronunciamento, alertando que se tratava de uma questão de Estado, não de luta partidária. Estamos a poucos dias de 2008 e a extinção de R$40 bilhões em receitas gerará, certamente, enorme confusão administrativa e financeira para o país. É lamentável, mas a história de um país também se constrói com derrotas e momentos tristes. Outros países já viveram guerras, intestinas ou com outros países, onde morreram milhões de pessoas. Há países que vivem guerras.

O crescimento de 5,3% do PIB nacional, no terceiro trimestre de 2007, aponta para um cenário extremamente positivo para a economia nacional. A popularidade de Lula tem crescido em todos os segmentos sociais. Continua absoluta entre os mais pobres e agora cresce também na classe média.

Não acredito que o governo Lula irá dar a batalha por perdida. A alternativa do governo será encontrar receitas em outros canais, que não passem pelo legislativo. A oposição fala em aumento da arrecadação como se fosse uma coisa negativa. Se o Brasil cresce, aumentam também as necessidades de investimentos em saúde, educação e infra-estrutura. A arrecadação precisa crescer. O governo pode economizar em muitos setores, mas é preciso primeiro reduzir despesas para, depois, cortar receitas.

A oposição ganhou essa batalha, mas pesará em sua consciência a imagem de ter se posicionado contra a esmagadora maioria da classe política executiva (prefeitos, governadores, executivo federal). De nossa parte, ficou explícita, mais uma vez, a falta de compromisso de alguns setores políticos-midiáticos com a justiça social.

Muitas mentiras foram levantadas para aprovar a CPMF. A alegação de que seria um imposto que incidiria, percentualmente, mais no pobre do que no rico e, portanto, seria um imposto injusto e nocivo aos pobres, constituiu uma falsidade das mais torpes, logo chanceladas pelos jornais, a começar pelo Globo. Ora, os pobres ganham tão pouco, que qualquer imposto que paguem, mesmo mínimo, incide sobre suas economias. Mas os serviços de saúde prestados ao pobre, na forma de tratamentos médicos de alta complexidade, programas sociais ou aposentadorias rurais, compensam sobejamente qualquer percentual (ínfimo) que o imposto represente na renda do pobre. Além do mais, se o imposto representa 2% da renda do pobre e 0,4% da renda dos muito ricos e empresas, esse 0,4% sobre a renda dos mais ricos corresponde a valores infinitamente mais altos que os pagos pelos pobres. Quase 80% da CPMF vem de empresas, portanto foi realmente falacioso o estudo da USP divulgado pelo Globo e amplamente usado pela oposição como forma de chancelar a teoria esdrúxula de que o imposto prejudicava o pobre.

A saúde brasileira ainda é de péssima qualidade, mas tem melhorado expressivamente. O programa governamental de assistência contra a Aids tem sido admirado e citado freqüentemente por governos e organizações internacionais como um dos melhores do mundo. Quero ver se esses senadores que votaram contra a CPMF terão a coragem de visitar os hospitais públicos brasileiros e conversar com os médicos, cuja maioria esmagadora deverá ter uma péssima noite de sono, depois de dias de glória com a aprovação, pelos deputados, de nova lei que destina mais R$24 bilhões para a saúde brasileira em quatro anos.

O debate sobre a questão tributária também tem sido conduzido de maneira hipócrita pela oposição. O senador Sérgio Guerra falou que o Brasil precisaria ter um regime tributário de primeiro mundo, procurando com esse argumento justificar sua posição contra a CPMF, mas não informou aos telespectadores que a carga tributária dos países de primeiro mundo é muito superior à do Brasil.

Também falaram que o Brasil cresce pouco, apenas superado pelo Haiti. Bem, primeiro que agora estamos crescendo a 5,6%, o que é um dos crescimentos mais vigorosos entre países em desenvolvimentos e se torna mais signicativo se considerarmos que ele vem acompanhado de um forte movimento de distribuição de renda, inflação baixa e expansão da capacidade produtiva. Segundo que os que acusam o baixo crescimento do Brasil, esquecem que a comparação com pequenos países centro-americanos é falaciosa. O Brasil cresceu o mesmo que o México, único país com população e o PIB parecidos com o nosso. E vem crescendo bem mais que os países de primeiro mundo, que apresentam crescimentos pífios.

A senadora Katia Abreu disse que o Brasil perdeu para China exportações para os Estados Unidos, omitindo que o seu cálculo é abstrato. Em termos reais, as exportações brasileiras para os EUA aumentaram fortemente nos últimos anos e o Brasil hoje exporta muito mais para os EUA do que nos tempos fernandinos. O que aconteceu foi uma gigantesca expansão das exportações nacionais para mercados diversos, como Oriente Médio, Ásia, Leste Europeu e muito para o próprio Mercosul. O que significa que o Brasil diversificou seu leque de clientes, deixando de ficar refém de um só país, o que é perigoso, imprudente e causa instabilidade comercial para o país.

Por fim, o cancelamento da CPMF cheira a corrupção bancada pela Fiesp, ou a setores específicos da entidade, com vínculos estreitos com determinadas lideranças partidárias. Os profissionais da saúde amanhecerão preocupados nesta quinta-feira, e o governo terá que ser criativo para encerrar dignamente seu mandato.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Bons resultados de um bom governo

CNI/Ibope: Avaliação positiva de Lula sobe para 51%
(fonte: último segundo)

A Pesquisa CNI/Ibope, divulgada nesta quarta-feira, trouxe, em números absolutos, o melhor índice de avaliação do governo neste ano. De acordo com o levantamento, das 2002 pessoas entrevistadas, 51% consideraram o governo "bom ou ótimo", um crescimento de 3 pontos percentuais em relação à pesquisa de setembro. Outros 31% consideraram o governo "regular", enquanto a avaliação "péssimo ou ruim" variou de 18% para 17%, em relação a setembro.

A aprovação da maneira como Lula está governando o País subiu de 63% para 65%, enquanto a desaprovação caiu de 33% para 30%. Já a confiança no presidente, ficou estável, permanecendo com 60%, enquanto o índice dos que não confiam caiu de 37% para 35%.

Na avaliação por área específica, houve melhora em quatro itens: combate ao desemprego, cuja aprovação subiu de 43% para 47%, e a desaprovação caiu de 53% para 51%; Saúde e Educação, na qual a aprovação sobe de 51% para 53%, e a desaprovação varia de 46% para 45%; combate à fome e à pobreza, subindo na aprovação de 54% para 57% e a desaprovação caindo de 43% para 41%; e Meio Ambiente, que subiu, na aprovação, de 47% para 50% e a desaprovação caiu de 47% para 44%.


Economia

Atribuído à perspectiva econômica, a pesquisa apontou melhora nas expectativas dos brasileiros. Por exemplo, em uma projeção para os próximos seis meses, caiu de 52% para 49% o índice dos que acreditam que a inflação vai crescer e sobe de 28% para 31% os que acreditam que vai haver redução de preços.

Caiu também o índice dos que acreditam no aumento do desemprego: saindo de 52% para 46%, enquanto sobe os que acreditam que o número de postos de trabalho pode aumentar de 26% para 28%.

Sobre o aumento da renda geral, o índice variou 31% para 30%, enquanto 23% acreditam que não vai mudar, caindo três pontos percentuais. O maior índice, no entanto, ficou com os que acreditam que não vai mudar: 43%, um aumento de cinco pontos percentuais em relação à pesquisa de setembro.

Já a renda pessoal registrou índices mais estáveis: 38% acham que vai aumentar. O item teve uma leve queda de dois pontos percentuais para os que acreditam que a renda pessoal vai diminuir, passando de 16% para 14%, e o quesito "não vai mudar" sobe de 42% para 44%.

A pesquisa trouxe, ainda, um item novo: se a vida melhorou nos últimos dois anos. Para 37% dos entrevistados, nada mudou, mas para 50% a vida melhorou e 12% disseram que a vida piorou.

Em relação à pesquisa de setembro, subiu de 68% para 71% os que consideram o ano de 2007 bom, até o momento. O tópico dos que consideram o ano ruim caiu de 18% para 15%.

Quanto a 2008, a expectativa de que seja um ano "muito bom" subiu de 18% para 36%, enquanto os que consideravam o ano "bom" caiu de 63% para 52%, o que representa uma migração para um conceito mais elevado, já que a avaliação "ruim" caiu de 10% para 4%, e o "muito ruim" ficou em 3% em relação à pesquisa anterior.

A Pesquisa CNI/Ibope ouviu 2002 pessoas em 141 municípios, de 30 de novembro a 5 de dezembro. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Zilda Arns faz apelo em favor da CPMF

(do blog Os amigos do Presidente Lula)

Ex-coordenadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns fez um apelo direto ao coração do senador Pedro Simon (PMDB-RS) pelo voto em favor da CPMF. Contou que, sem a contribuição, 81 instituições assistenciais gaúchas correm o risco de fecharem por falta de repasses do governo. Foi o suficiente para dirimir qualquer dúvida do peemedebista. Simon diz que vota a favor

Quem levou a notícia ao Planalto....

A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), chegou ontem às 18h ao Palácio do Planalto para se encontrar com Lula. Além de pleitos por mais recursos para as combalidas finanças gaúchas, Yeda levava a notícia da conversão de Pedro Simon para a turma pró-CPMF.

Quem diria...

A turma do Democratas sempre elogiou o médico Adib Jatene, ex-ministro da Saúde do governo de Fernando Collor e de Fernando Henrique de Cardoso. Ontem, a situação se inverteu. Quando os democratas souberam dos efusivos aplausos a Jatene no Palácio do Planalto, desdenharam: "Ele é um excelente cirurgião, mas não entende de política", comentava o tesoureiro do partido, o ex-deputado Saulo Queiroz.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Rindo com Fernando Henrique Cardoso

(Do blog do Mello)

Em certa altura de seu artigo publicado em O Globo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirma o seguinte:

Nada contra, portanto, que se consulte diretamente o povo sobre questões definidas, desde que haja debate prévio e livre para que as opiniões se formem. [Embora para a emenda que possibilitou sua reeleição ele não tenha consultado o povo] Nem muito menos que se ampliem os canais de participação popular no processo deliberativo. Quando, entretanto, se criam condições para transformar as consultas em formalidades manipuladas pelo peso da presença governamental na mídia ou pelo uso dos benefícios governamentais para provocar a adesão ao líder, só se lendo o direito pelo avesso se pode falar em democracia.

Peso da presença governamental na mídia?! No Brasil? Na Venezuela? Ele só pode estar brincando. A mídia nesses dois países é totalmente antigovernista.

Outra coisa que eu acho curiosa é a análise que costumam fazer dos programas sociais dos governos populares e que está referida no trecho "uso dos benefícios governamentais para provocar a adesão ao líder". Queriam o quê? Que o povo votasse contra os que lhe concedem benefícios?

- Não vou votar no Lula não. Desde que ele virou presidente a minha vida melhorou, o país melhorou... Sabe, não acho justo votarmos nele só porque estamos sendo beneficiados... O certo é votar em quem não faz nada pela gente porque aí a gente tá sendo imparcial, tá mostrando que é independente...

O strip-tease da Folha de S.Paulo

A manchete deste domingo revela a pretensão do jornal paulista em distorcer fatos e números, além de evidenciar o papel da grande imprensa como elemento central das articulações das forças conservadoras.

(Gilson Caroni Filho, para a Agência Carta Maior)

Que não existem manchetes inocentes todos sabemos. A da primeira página da Folha de S.Paulo de domingo, 2/12/2007 ("65% rejeitam 3º mandato para Lula"), além de não ser exceção, tem dois méritos: revela a pretensão do jornal paulista em distorcer fatos e números de acordo com seus sagrados desígnios, além de evidenciar o papel da grande imprensa como elemento central das articulações das forças conservadoras.

O editorial ("Mania de mudança") justifica o expediente ilusionista da capa. Trata-se de "dar por encerrado o capítulo das grandes reformas que envolvem ciclos eleitorais. O apaziguamento dos partidos a esse respeito é passo crucial para que instituições mais específicas da política, como a fidelidade partidária e o sistema de voto, possam ser aperfeiçoados". Belas palavras para um exercício tão pobre de tergiversação.

Não consta que o governo Lula tenha qualquer vocação autocrática, como gostam de afirmar seus detratores. E muito menos que os processos em curso na América Latina apontem para autocracias. É bom lembrar ao desavisados que o antônimo de oligarquia não é tirania. E as reformas no país venezuelano não significam ditadura à vista.

Confundir, deliberadamente, proposição de um parlamentar para que o presidente possa convocar plebiscitos com aspiração a terceiro mandato faz parte da estratégia política de um projeto derrotado nas urnas. Sem projeto alternativo, vive na lógica enviesada dos factóides que redações prestimosas logo inserem na pauta das discussões políticas. Mas o que título oculta? Na página A-4, é revelado que para 63% dos entrevistados nenhum presidente deve ter esse direito. "O percentual sobe para 66% quando se trata de governadores e vai a 67% no caso de prefeitos". A rejeição a um terceiro mandato não é, portanto, exclusividade do presidente, como é sugerido na esmerada capa.

Se o que define uma manchete é seu caráter remissivo ao que há de mais importante dentre as notícias contidas numa edição, os editores da Folha, numa hipótese tão ingênua quanto remota, não conhecem o ofício.

Se aceitarmos que todo procedimento que falseia a realidade é de ordem ideológica, precisamos folhear o diário da família Frias para chegarmos ao que se busca ocultar. Somente na décima segunda página descobrimos o que produziu o conteúdo estampado na vitrine do produto: em relação à pesquisa anterior, houve uma oscilação positiva de dois pontos percentuais na avaliação do governo. E, fato crucial para redatores zelosos do seu dever de classe, "a aprovação do governo subiu na região Sudeste, entre brasileiros que integram famílias com renda acima de dez salários mínimos, e os que vivem em capitais, e também os mais escolarizados". Ou seja, o aumento de popularidade de Lula também se dá no universo dos leitores da Folha. Um baque para os combatentes Clóvis Rossi, Eliane Catanhêde e Josias de Souza, entre tantos outros.

Como ficam os analistas políticos que, na última pesquisa do Ibope, afirmavam que a oscilação negativa, dentro da margem de erro, sinalizava para uma inequívoca tendência de perda de popularidade do governo? O que tem a dizer, agora, a distinta Lúcia Hipólito, uma das mais falantes "meninas do Jô"? São "momentos dramáticos" para jornalistas e acadêmicos de inclinação tucana.

A pesquisa sai quando soa o alarme para os jornalões. Há movimentos significativos na superfície na política econômica do governo. Já se fala em redução do superávit primário, queda nos juros e intervenção no câmbio. São coisas intragáveis para colunistas que tanto exaltam as virtudes de arrocho fiscal e choque de gestão.

No mais, o que o Datafolha revela quanto a intenções de voto para 2010, é absolutamente previsível. Que os nomes que disputaram a última eleição presidencial fossem mais lembrados não é surpresa. Isso explica a liderança de Serra e, principalmente, o fato de as intenções de voto em Heloísa Helena serem quase o triplo do percentual alcançado por ela no ano passado. Mas seria interessante, do ponto de vista metodológico, incluir Lula em um dos cenários. Apenas como exercício projetivo. E se ele ficasse à frente do governador paulista, como se sustentaria a manchete dominical?

Estamos diante de uma primeira página emblemática. Expôs disputa entre as frações do PIG. Mostrando uma insuspeita desenvoltura, a Folha rebolou em trajes íntimos, alcançando a pole dance do cabaré demo-tucano. Não demora muito e o Globo a desbanca. É uma questão de tempo.