terça-feira, dezembro 18, 2007

O Natal da discórdia

O autor aprofunda a crítica, deseja um feliz 2008, e se despede respeitosamente dos leitores de Carta Maior

(Bernardo Kucinski, para a Agência Carta Maior - os grifos são meus)

Minha crítica à greve de fome de Dom Luís ofendeu leitores e constrangeu Carta Maior. A direção segurou o texto por dois dias e quando o publicou, dele se dissociou: "Posições oficiais da Carta são assinadas por mim, Editor Chefe, pelo seu diretor-presidente, Joaquim Ernesto Palhares, ou por ambos". Assinado: Flávio Wolf de Aguiar, Editor Chefe. Leitores em penca reclamaram indignados contra sua publicação.

Já havia sentido a rejeição de muitos leitores ao modo irônico ou à crítica ao movimento ambientalista. Desta vez, parece que mexi num vespeiro. Levei o maior cacete. De fato, meu texto chega ao limite do sarcasmo porque fiquei revoltado com a distorção de informações sobre o projeto do São Francisco. Era preciso chocar para romper o emparedamento do debate. Mesmo porque está em jogo um divisor de águas no campo progressista que vai muito além do Rio São Francisco. Apesar de fugir ao meu estilo analítico costumeiro, adotando uma retórica dramática, eu tinha a boa informação.

Gostei do novo estilo. A maioria dos leitores, não. Vários me acusaram de desqualificar o bispo em vez de discutir seus argumentos. Quando enviei o artigo à redação, no domingo, dia 9, (com data para o dia 10), o bispo não havia explicitado seus argumentos em texto assinado. Só fez isso na Folha de S. Paulo do dia 12. Meu objetivo, que muitos leitores não captaram, era decifrar as razões da segunda greve de fome, já que, ao contrário da primeira, não a movia o motivo clássico desse gesto, que é forçar uma negociação. A partir dos pressupostos de que um governo democrático não poderia ceder à chantagem e o bispo, como um general da Igreja, sabia disso conclui que o Dom Luís queria mesmo era morrer. Foi ele quem se desqualificou. Eu apenas matei a charada, como diz um dos raros leitores que me apoiaram.

Agora, que o bispo explicitou seus argumentos, é possível refutá-los. Mas antes, quero falar de minhas divergências mais gerais. A primeira é em relação ao lugar do governo Lula na nossa história. Concordo com a maioria dos leitores que o governo Lula ficou aquém do que esperávamos, em especial na fase paloccista, e continua afogado em contradições. Lula fez uma aliança estratégica com os bancos? Fez. Eu mesmo apontei isso na Carta Maior. Mas criou o Pró-Uni, o Bolsa-Família, o programa Luz para Todos e o programa Quilombola; o programa de Agricultura Familiar, aumentou substancialmente o salário mínimo, dialoga com os movimentos populares; vestiu o boné do MST, o dos petroleiros e o das margaridas. Contribuiu para a o enterro da ALCA e promove a integração latino-americana. Criou o Banco do Sul e a TV Pública.

Não é pouca coisa. Não sei se tudo isso "mudará o Brasil". Sei que não quero entrar na história como um dos linchadores de Lula e de um governo que eu ajudei a eleger. Como disse Maria da Conceição Tavares, parodiando a confusão que se estabeleceu no Chile no governo Allende: "É um governo de merda mas é o nosso governo de merda."

Minha segunda divergência diz respeito à dimensão política da luta pela defesa do meio ambiente. Uma coisa é levar essa luta debaixo do tacão de um regime militar, outra coisa é no interior de um governo democrático, sensível às demandas populares e sobre o qual temos enorme influência, em especial nos aparelhos de Estado que cuidam do meio ambiente e dos programas sociais.

Divirjo também da doutrina de muitos movimentos ambientalistas. Quando fui procurado pelo Greenpeace, para participar de sua fundação no Brasil, lá pelos anos 80, instintivamente recusei.

Digo instintivamente porque somente há poucos meses topei com a teoria da minha recusa. Num pequeno artigo no Jornal do Brasil, Emir Sader dizia ser impossível tratar temas como a economia, sem considerar conceitos básicos da economia política, entre os quais o conceito de "imperialismo."

É isso. Uma coisa é uma agenda ambientalista endógena, concebida por nós, que considere nosso estágio de desenvolvimento, nossas necessidades básicas e nossa correlação interna de forças. Outra coisa é aceitar acriticamente a agenda que vem de fora. Ou não perceber que também na luta ambientalista, incidem o fator de classe e o fator imperialismo. O Norte com renda per capita de 30 mil dólares pode propugnar até mesmo crescimento zero ou de emissão zero de CO2. O Sul com renda per capita de três mil dólares tem que se orientar necessariamente pelo conceito do desenvolvimento sustentado, aquele que preserva o meio ambiente e os recursos naturais, mas garantindo as necessidades básicas da população presente.

Uma parte do movimento ambientalista brasileiro não se orienta pelo conceito do desenvolvimento sustentado e sim por um paradigma criado por sociedades já bem abastecidas em tudo, e que preferem atribuir ao nosso território o papel de uma gigantesca reserva florestal, indígena e de biodiversidade do planeta Terra. Não estão nem aí para as necessidades básicas da população brasileira.

Para atender essas necessidades e nos tornarmos uma sociedade minimamente civilizada, precisamos construir cinco milhões de moradias, e levar a elas água, eletricidade e esgoto.

Precisamos criar pelo menos trinta milhões de empregos. Erguer dezenas de escolas, hospitais e postos do Ibama e da Polícia Federal. Implantar vastas redes de transporte de massa, metrôs, hidrovias e ferrovias, tudo isso obedecendo padrões avançados de controle ambiental.

Os números são todos grandes. Mas temos recursos para isso. Nunca se ganhou tanto dinheiro no país com as exportações. É preciso lutar por políticas públicas que aloquem esses recursos em benefício da população, Mas os ambientalistas foram tomados pela cultura do não. Nada pode ser feito e, se for grande, é ainda mais condenável. Temos uma frente nacional "contra" os transgênicos, outra contra o projeto do São Francisco, e logo logo teremos, se é que já não temos, a frente nacional contra as barragens, contra o uso de células tronco e contra as estradas de integração continental. É o autismo frente às carências do povão, o fundamentalismo na luta pelo meio ambiente, e o ludismo na reação contra os avanços da biotecnologia.

Deveríamos ter, isso sim, uma frente nacional pelo zoneamento agrícola, outra pelo imposto sobre a exportação de commodities, e mais outra pela atualização dos índices de produtividade agrícola (sem o que é impossível a desapropriação para fins de reforma agrária). Uma frente nacional pela ocupação ordenada da Amazônia, outra pela integração continental. Tínhamos que pressionar pela recuperação das pequenas hidrelétricas, desativadas pelo regime militar e lutar ao mesmo tempo pela construção das de maior porte, por gerarem energia limpa, renovável e barata, a um baixo custo social.

Na oposição ao projeto da adutora do São Francisco, os traços de fundamentalismo se adensaram perigosamente, quando a Igreja se meteu na história. Leiam de novo a mensagem de apoio de Leonardo Boff a Dom Luiz, enviada por um dos leitores indignados com meu artigo. O mesmo Leonardo Boff que observou dias atrás ser incorreto discutir a existência de Deus à luz da ciência, porque a fé é uma questão de imaginação e espiritualidade, agora convoca a fé para combater um projeto terreno de captação de águas de um rio. "Acompanho com respeito e sustento com todo o coração sua decisão de doar a vida para que haja mais vida para os pobres e para o rio São Francisco... Sua opção não é a de um suicida mas de um homem livre, capaz de amar até o fim, amparado no Deus de Jesus ..." E vai por aí a fora, citando passagens da escritura e invocando repetidamente o nome de Deus.

Lembrei-me do segundo mandamento: "Não invocarás o nome de Deus em vão". E também do oitavo: "Não levantarás falso testemunho." Isso porque são falsos os argumentos de Dom Luiz, da CPT e da CNBB contra o projeto. Há restrições e críticas sérias ao projeto, mas as dos bispos são inconsistentes, resvalando para o demagógico.

O bispo começa pelo argumento de que Lula não tinha mandato para tocar esse projeto porque evitou discuti-lo durante a campanha eleitoral. Disso conclui que Lula governa autoritariamente, que Lula e não ele é o inimigo da democracia. "Vivêssemos numa democracia republicana, real e substantiva, não teria que fazer o que estou fazendo," escreve Dom Luís. Outro bispo, Dom Tomás Balduíno, em artigo no Estadão, vai além: diz que "quem dividiu o país, e até a Igreja, foi Lula e não Dom Luís Cappio."

Vamos perdoar a menção a uma "democracia republicana" por parte de uma Igreja que se opõe ao divórcio e ao uso da casmisinha. Digamos que foi um erro de digitação. Esses bispos se esquecem que depois de Lula ser eleito, a história seguiu seu curso e ele também foi re-eleito, numa segunda campanha em que a prioridade dada ao projeto já era notória. E mais: o presidente recebeu votação esmagadora na re-eleição exatamente nos Estados do Nordeste, onde vai se dar essa importante intervenção.

Lembro ainda que, por ordem do presidente, o ministro Ciro Gomes agendou uma rodada de discussões com Dom Luiz, como parte do acordo para acabar com sua primeira greve de fome. Mas Dom Luís não compareceu. Foi ele que não quis discutir.

O bispo escreve e repete que 70% da água transposta vai para uso industrial, 26% para uso agrícola e 4% para a população difusa. Isso provaria que o projeto foi feito para servir grandes empreendimentos agro-pecuários e industriais. Mas a verdade é que as águas vão perenizar os mesmos rios e abastecer exatamente os mesmos sistemas municipais, açudes e sabespes, atualmente em operação, e que já sofrem crises periódicas de abastecimento mesmo na ausência de secas.

Não encontrei no Relatório de Impacto Ambiental, (RIMA) os números do bispo, por mais que procurasse. Encontrei sim este trecho: "A demanda urbana das áreas que serão beneficiadas pelo empreendimento foi avaliada em aproximadamente 38 metros cúbicos por segundo no ano de 2025. Desse total, cerca de 24 metros cúbicos por segundo correspondem ao consumo humano e 14 metros cúbicos à demanda industrial". Portanto, pelo menos em relação à proporção demanda humana-demanda industrial, o bispo está errado. Diz ainda o RIMA: "o projeto foi planejado procurando atender o maior número de pessoas possível."

Confira em www.mi.gov.br/saofrancisco/integracao.rima.asp.

A adutora não foi feita para abastecer nenhum projeto especifico de agro-business ou industrial; ela reforça as adutoras e açudes já existentes, dando ao Nordeste uma perspectiva de longo prazo de desenvolvimento econômico, urbano, agrícola. O bispo não menciona quais seriam esses projetos gigantes. Procurei exaustivamente e acabei encontrando a origem da desinformação: um documento da Comissão Pastoral da Terra, hoje a principal produtora de falácias contra o projeto ao ponto de desbancar a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) que não admitia perder uma gota do rio que aciona seus geradores em Paulo Afonso.

A CPT alega que a adutora "vai servir para a siderúrgica do Pecém, vai servir para a agroindústria do Apodi." Ora, a siderurgia do Pecém fica próxima ao litoral, no Ceará, distante centenas de quilômetros do ramo Norte do projeto, que mal entra no Ceará, desviando-se em direção à Paraíba e Rio Grande do Norte, depois de reforçar o Riacho dos Porcos. Desse riacho até Pecém são centenas de quilômetros de rios que até mudam de nome e passam por açudes diversos. Não tem nada a ver com a siderúrgica, que já tem abastecimento local assegurado de 2 metros cúbicos por segundo, para um consumo de apenas 1,73 metros cúbicos por segundo.

Esses dados foram admitidos pela Agência Brasil, do MST (www.brasildefato.com.br). Como contradizem o argumento da CPT, a agência alega que no futuro, quando outras indústrias forem atraídas pela siderúrgica, "caso o complexo prospere, a demanda de água superará a oferta atual".

Notem o ato falho na utilização da palavra "prospere". Eles não querem que nada prospere. Também omitem que a siderúrgica vai produzir placas grossas, para exportação, e não as placas finas que atrairiam empresas metalúrgicas de processamento.

Mais falacioso ainda é chamar a agricultura de Apodi de agro-business, ao modo de um palavrão que desclassifica tudo. Apodi é uma história de sucesso e exuberância agrícola e grande diversidade de produção e formas de propriedade. Ali cresce, graças à Embrapa, a mais produtiva variedade de acerola. Ali o governo federal está implantando um projeto específico de financiamento da agricultura familiar. Ali existem seis assentamentos agrícolas e três cooperativas de produtores. Ali o governo instalou também um projeto de três mini-fábricas familiares para o processamento da castanha do caju, e um outro que vai beneficiar 400 pequenos produtores de mel. Um único projeto de irrigação em andamento no Apodi, com água pressurizada, vai atender mais de 200 agricultores.

Todas essas falácias e mais algumas foram inventadas pela CPT depois que se desmoralizou o argumento principal anterior de que a adutora ia secar o Rio São Francisco. Ocorre que em julho de 2004, depois de intensos debates técnicos, o governo inverteu a lógica do antigo projeto pelo qual as águas do São Francisco seriam transpostas para os sistemas do semi-árido sempre que seus açudes estivessem baixos, sem levar em conta o nível da represa de Sobradinho. Ficou decidido que será retirada uma quantidade mínima para garantir o consumo humano, e só quando Sobradinho tiver excesso de água, a captação será maior. Na sua nova formulação são retirados 26,4 metros cúbicos por segundo, cerca de 1% da vazão no local da captação, e somente quando Sobradinho estiver vertendo, ou seja, botando fora excesso de água, a captação pode aumentar, mesmo assim até o limite de 87,9 metros cúbicos. O RIMA estima que na média anual, a perda do rio vai ficar em 65 metros cúbicos por segundo.

Mas no sertão beneficiado o ganho é muito maior porque ao eliminar a insegurança a adutora diminui a necessidades de armazenamento dos açudes existentes, reduzindo as perdas por evaporação de seus espelhos de água em 22,5 metros cúbicos por segundo. É um efeito de "sinergismo, que segundo o RIMA, nunca existiu antes em projetos de adutoras. Por tudo isso, a nota técnica 492 da Agência Nacional de Águas (ANA) de setembro de 2004 avalizou o projeto.(www.ana.gov.br). Um ano depois a ANA concedeu ao Ministério da Integração a outorga definitiva para o uso dessas quantidades, através das resoluções 411 e 412. Está tudo na internet. Aliás, o portal do Ministério do Meio Ambiente, que abriga a maioria dessas informações, é muito abrangente.

Sem o argumento de que o rio vai secar, os padres passaram a argumentar que há um outro projeto, o Atlas do Nordeste, elaborado pela ANA, mais barato, custando apenas R$ 3,6 bilhões, metade do custo do São Francisco, e beneficiando três vezes mais gente, 44 milhões. É tudo falso, no atacado e no varejo. Ou um "equívoco", como diz educadamente o presidente da ANA, José Machado: "Em primeiro lugar o Atlas não pode ser considerado um programa ou projeto. É na verdade, um portfolio de eficientes soluções técnicas para serem eventualmente financiadas. Não visou equacionar o problema da segurança hídrica do Nordeste, uma vez que não se tratou do atendimento de usos múltiplos da água, como a produção de alimentos e irrigação. Também não foi considerado o abastecimento das sedes municipais com menos de cinco mil habitantes, dos distritos, vilas e núcleos rurais. Por outro lado, o projeto de Integração do São Francisco com as bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF) é um projeto de desenvolvimento regional com perspectiva de conseguir benefícios que se estendam para além de 2025. O Atlas e o PISF são, pois, iniciativas distintas, em sua gênese, seus objetivos e em sua área de abrangência. Não são conflitantes".

Apenas um quinto dessas soluções técnicas já tinha projetos, mesmo assim abandonados. O Atlas é um mapeamento do que prefeitos deveriam ter feito e não fizeram. Mostra que é assustador o número de municípios com mais de cinco mil habitantes em situação critica de abastecimento de água: 90% deles em Alagoas, 81% no Ceará, 65% no Rio Grande do Norte e assim por diante. O motivo é simples: é o controle da maioria dessas prefeituras por grupos locais de interesse, fazendeiros e forças conservadores ou prefeitos corruptos. Além disso, abarca apenas metade dos 2116 municípios dos dez estados analisados, os que tem mais de cinco mil habitantes. Portanto é o oposto do argumento dos bispos, de que suas soluções atendem os pequenos enquanto a transposição atende os grandes. É falso também que beneficiariam 44 milhões de habitantes. Essa é população total da região e não a população específica dos municípios mapeados.

Outro argumento falacioso é o de que o governo preferiu o grande para favorecer as empreiteiras e por isso abandonou o projeto das cisternas. Trata-se da falácia da falsa premissa. Não é verdade que o governo preteriu o projeto das cisternas. O governo apoiou com entusiasmo desde o início a proposta da Articulação do Semi Árido, que reúne 700 ONGs, incluindo-a no seu programa de Combate à Fome. Foi criada uma entidade especial para gerir o programa, que recebe recursos do governo e de empresas privadas. Lula inaugurou a primeira cisterna, justamente para dar força ao projeto. Trata-se de um projeto sofisticado, em que os moradores mesmo constroem as cisternas recebendo treinamento e suporte de uma rede de ONGs. Quando as ONGs, para as quais foram repassados os recursos se revelaram vagarosas demais, o governo entrou de sola para acelerar o programa e no último mês de julho o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome lançou o edital 13/07, oferecendo mais R$10 milhões a entidades que queiram entrar no programa. A meta de construir um milhão de cisternas está de pé. Já foram construídas 220 mil.

Cada cisterna consegue armazenar pelo menos 10.500 litros de água, o suficiente para necessidades básicas de uma família de cinco pessoas. Mas não o bastante para uso agrícola, mesmo no caso da agricultura de subsistência. As cisternas são a solução para água de beber, de banho, de cozinhar e lavar em residências isoladas, esparsas, na área rural, onde os sistemas municipais de abastecimento não chegam. Não podem ser construídas nas cidades. Um projeto complementa de forma ideal o outro.

Nos últimos documentos da CNBB, em textos de Frei Betto, de Leonardo Boff e outros, surgiu um novo argumento, o de que o projeto "não vai levar água aos índios e quilombolas". Tanto quilombos quanto aldeamentos indígenas por definição se situam em regiões isoladas mas com boa oferta de água. Foram os locais onde se fixaram, fugindo dos bandeirantes assassinos e capitães de mato. A esses locais o Luz para Todos está levando eletricidade, que não havia. Mas água já tem.

Os padres também alegam que o projeto é pleno de ilegalidades. É bem o contrário. Seus opositores é que vem se valendo de truques legalísticos, para obstar projetos que passaram por todos os crivos técnicos das agencias reguladores e todos as votações de comitês de bacias.

Entram na justiça com pedidos de liminares, sabendo que justiça vai demorar anos para entrar no mérito. Sempre que o mérito é julgado, o projeto é aprovado. Além disso, ambientalistas tem impedido o fechamento de atas de audiências públicas à força. Várias das audiências do São Francisco foram interrompidas à força. Eu pergunto: de que lado está o autoritarismo?

Termino perguntando: Será que por trás dessa campanha contra a adutora do São Francisco não está o ressentimento pela perda do rebanho dos pobres, que hoje têm um cartão Bolsa-Família? Ou dos pobres que se libertariam da opressão da falta de água no Nordeste? Ou será que estamos testemunhando o enquadramento da Igreja de Libertação na encíclica Spe Salvi, lançada pelo papa e ex-corregedor da fé, Ratzinger, o mesmo que pediu a expulsão de Leonardo Boff da Igreja?

Essa encíclica reafirma a renúncia à libertação terrena em nome de uma salvação na dor e na morte. Além de lembrar vivamente a tragédia de Dom Luís, é imobilista e reacionária. Deixa o campo da história para as forças conservadoras deitarem e rolarem, impedindo a Igreja de Libertação de disputá-lo com um projeto secular de transformação social.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Que o bispo não morra, nem o rio

São Francisco nos ajude a ser solidários com todos os pobres do nordeste e as populações ribeirinhas, e ao mesmo tempo nos livre dos fundamentalismos religiosos ou ecológicos.

(Luis Alberto Gómez de Sousa, sociólogo, ex-funcionário das Nações Unidas e diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes, para a Agência Carta Maior)


Para quem gosta de análises lineares e simplistas, onde não entram as contradições da realidade, é difícil ouvir os dois lados de um problema, encerrando-se cada um em seu absoluto. O problema da transposição do São Francisco tem elementos humanos, ecológicos e técnicos, às vezes de difícil harmonização. Entretanto, uma análise madura não pode escamotear a multiplicidade de ângulos e de tensões. Ficar só com os primeiros elementos é encastelar-se numa ética sem raízes materiais; optando só pelo último é encerrar-se num tecnicismo frio. As populações ribeirinhas das barragens do Uruguai ou de Tucuruí, ainda ontem, sofreram violências, as últimas vivendo o envenenamento pelo apodrecimento das madeiras submersas. Ambas tinham razão ao defender seus direitos. Mas ao mesmo tempo, as barragens e as usinas são necessárias se queremos energia para transformações na infra-estrutura produtiva. Em meu tempo como chefe na FAO, pude sentir como técnicos da Codevasp se interessavam, sobretudo, pela arquitetura interna dos projetos como o de Sobradinho, com pouca sensibilidade diante dos problemas humanos das populações atingidas. Mas estas, por sua vez, nas mãos de assessores ideológicos radicais, não recebiam as informações necessárias para uma tomada de posição mais abrangente e realista.

Fernando Lugo, ex-bispo e possível novo presidente do Paraguai, tem razão de questionar a maneira como seu país foi tratado, na construção de Itaipu, pelos governos militares brasileiros, mas não pode esquecer também o papel nefasto dos políticos corruptos paraguaios que se locupletaram amplamente. Por outro lado, é necessário constatar tudo o que Itaipu representa de avanço para o país. Há geralmente dois lados na realidade.

Tenho amigos técnicos que estão convencidos de que a transposição é viável, necessária e positiva, se tomadas algumas precauções. Outros se opõem também com argumentos técnicos. Há aí um debate sério que vem sendo realizado, com a presença de Dilma Rousseff, Marina Silva e outros membros do governo. Mas evitemos escapar pela tangente do tema: opor transposição ou cisternas, medidas que podem ser ambas necessárias e caminhar como paralelas. Alias, o plano de um milhão de cisternas está sendo realizado com a participação do governo, da Caritas, da ASA e de parceiros internacionais. Poderia alcançar mais rapidamente as metas, mas já vai chegando aos poucos a níveis expressivos. Uma alternativa não substitui a outra.

Que o plano técnico de uma possível transposição tem de levar em conta os interesses das populações ribeirinhas é inquestionável. Mas há também que entender as necessidades de outras áreas do semi-árido, onde sub-regiões mais ao norte da Bahia têm necessidades imperiosas. Acompanhei, na Conferência dos Bispos, desde alguns anos, fortes diferenças entre os que provinham dos diversos nordestes.

Observando nestes dias manifestações acaloradas contra a hidrelétrica do Madeira, com custos ao que faz crer razoáveis e benefícios a longo prazo para gerar energia, prevejo o mesmo tipo de protestos para as outras hidroelétricas na região. Que empreiteiras como a Odebrecht pensem basicamente nos seus lucros, faz parte da lógica perversa do sistema. Compete às outras empresas públicas e ao Estado chamar a atenção para os problemas humanos e ambientais. Porém, os que protestam, uma vez mais, não têm ao lado deles assessores capazes de ir muito além do emocional e do ideológico. No começo da revolução industrial, os pequenos produtores artesanais destruíam máquinas e novos teares, que punham em perigo seu ganha pão tradicional. Mas sabemos o que a nova tecnologia trouxe de avanço histórico. Por desinformação, no começo da industrialização soviética, os operários levavam as máquinas para suas casas. Veio a reação oposta e dura dos tecnocratas querendo defender os interesses do novo estado (e seu poder como nomenclatura nascente) que, superando um tempo de transição da NEP, chegou ao pior e repressivo stalinismo, que dizimou operários e camponeses. Estaremos prisioneiros de falsas ou simplistas alternativas?

É claro, precisamos de fontes de energia limpa, não poluidoras; as eólicas são bem-vindas, mas estão engatinhando. Temos outras fontes alternativas que a criatividade brasileira vem experimentando. Alguns pedem as nucleares, mas depois de Chernobyl dá para ficar um pouco reticentes. E o Brasil tem incríveis recursos hídricos. Os ambientalistas são contra umas fontes e outras. Mas o que fazer, prepararmo-nos para apagões mais à frente e um enorme freio à produção e à geração de emprego, em nome da defesa da natureza, como se as pessoas não fossem parte do planeta? Há um ecologismo fundamentalista paralisante.

A China cresce acelerada à força de uma terrível poluição - emulando os Estados Unidos -, desenraizando populações rurais e com o uso de trabalho praticamente escravo. Um filme chinês recente mostrava os resultados terríveis e destruidores para grandes populações rurais com a construção de uma enorme barragem. Em Nova Déli, vi com espanto um processo acelerado de industrialização convivendo com populações morrendo nas ruas, rodeadas de vacas sagradas intocáveis. Não haverá outras saídas? Como unir transformações econômicas indispensáveis com políticas sociais agressivas? Quando se fala das primeiras, ouvimos afirmações contundentes: políticas neoliberais. E diante das segundas os mesmos clamam: assistencialismo. No fundo há um cheiro azedo de má vontade principista.

Fala-se de transformações estruturais necessárias. Há que saber defini-las bem e entender que, para sua efetivação, há um processo longo e não instantâneo pela frente. Ou gostaríamos de recair nas receitas estatizantes e dinossáuricas do socialismo real que apodreceu? É imperdível o filme alemão A vida dos outros, para os que tiveram crises com o fim inglório de uma contrafação de socialismo. Em nome da recuperação de um socialismo democrático, com o qual penso alinhar-me, transformações têm a ver com o crescimento gradual e difícil das forças produtivas, unido à criação de novas relações de produção, sem as quais os avanços seguem nas mãos dos setores dominantes. Mas sem as primeiras, teríamos estagnação que também recairia sobre as populações menos favorecidas. Não está já sendo experimentado, diante de nós, um círculo virtuoso em gestação, entre políticas econômicas concretas e ambiciosas e políticas sociais efetivas? Os dados dos últimos dias mostram um PIB crescendo 1,7% no ultimo trimestre do ano e 5,6% frente ao mesmo período em 2006. A meta de crescimento de 5% anual vai se fazendo plausível. A aceitação do governo cresceu em três pontos, na última pesquisa Ibope desta semana, apesar de campanhas violentas contra ele nos grande meios de comunicação. 51% dos entrevistados acha este governo ótimo ou bom. O povo sente na pele os resultados, mais que os ideólogos encurralados em seus preconceitos e no desconhecimento do país real. Nem se deram conta do impacto de programas tais como luz para todos, que mudou o cotidiano do mundo rural. Por outro lado, a derrota da CPMF num senado elitista e cheio de chantagistas que absolveu Renan, representa o fim de um imposto que favorece os mais pobres.

Em texto anterior, referi-me a posturas ideológicas - para Marx visão invertida da realidade - que não conseguem subir do abstrato dos princípios de um idealismo filosófico, à materialidade do concreto. Há atualmente um udenismo de esquerda que bate monotonamente na tecla de um moralismo sem raízes no real, principista e absolutista. Os que vivemos no Chile a sabotagem do MIR ao governo Allende, em aliança de fato com os golpistas, acreditamos estar vacinados contra essas posturas.

Vejamos neste contexto a Igreja Católica, com o bispo de uma diocese baiana pobre - Barra - no seu segundo jejum. Tivemos uma grande geração de bispos latino-americanos que começou com D. Hélder, Leonidas Proaño no Equador, Mendes Arceo no México, quase todos agora mortos ou aposentados. Mas ainda estão aí, atuantes e mais livres, pois sem responsabilidades administrativas, Pedro Casaldáliga, José Maria Pires, Cardeal Arns, Tomaz Balduíno, Waldyr Calheiros, Clemente Isnard. Partiram cedo demais Franco Masserdotti e Jorge Marskell, mas segue conosco Moacyr Grecchi e foram surgindo o valente Demetrio Valentim e o indomável Erwin Krautler. É interessante que vários são estrangeiros, mas assumiram com paixão sua condição de brasileiros. Algo se move no episcopado. Nas últimas eleições para presidente, não foi eleito o secretário geral anterior, candidato natural à presidência, hoje cardeal, mas o sucessor do grande Luciano Mendes de Almeida em Mariana, o inteligente e receptivo Geraldo Lírio.

E entre eles, há anos foi surgindo uma figura iluminada, grandes olhos alternando transparência quase ingênua com firmeza de convicções, o franciscano Luiz Flávio Cappio. Chamei-o uma vez, em reunião de bispos, "meu bispinho", nova luz e esperança. Ainda frade, fez por um ano a bela romaria das nascentes do São Chico à sua foz, tão bem analisada em sua tese de doutorado por Nancy Mangabeira Unger, em texto que merecia ser publicado. Em reunião de seu regional, recém nomeado bispo, falou de temas congelados da Igreja (celibato obrigatório, ordenação de casados e de mulheres...), o que lhe valeu uma reprimenda inoportuna e fora de lugar do núncio. Trazia nele luz própria e alguma coisa de profeta. Porém, já na primeira greve de fome, preocupou com uma inflexibilidade e um absolutismo num caminho de difícil retorno.

Os profetas, por mais incisivos e ásperos que tenham sido, sempre deixaram abertas as portas para o reencontro. Isso está claro em Isaías , profeta da dor pungente - o servo sofredor – mas também da alegria. Jó, no despojamento mais absoluto, não se isolou e obteve de Iahweh a reconciliação. Faltou algo semelhante nas atitudes de Cappio em defesa de seu rio. Digo isso porque me move para com ele um grande carinho e sinto uma expectativa posta em questão.

Depois daquele primeiro gesto extremo houve discussões, estudos e contribuições ao nível do social, do político e do técnico, até chegar a um projeto que venceu muitas barreiras e dúvidas, mas que certamente é sempre passível de revisões e de aperfeiçoamentos. E agora o gesto volta novamente numa radicalidade de não retorno. Antes de tudo, fica o receio de um resultado extremo na saúde e na resistência de figura tão singular. Mas devo dizer que muitas vezes, nos mais luminosos exemplos do mundo católico, dos melhores bispos e das mais generosas pastorais, sinto que têm dificuldade em manejar as mediações entre o mundo da Fé e as dimensões da política ou da técnica, numa absolutização mortal da primeira, com uma ética sem nuanças, podendo cair num moralismo atemporal e autodestruidor.

O que me faz desenvolver estas reflexões sofridas, porém impacientes, é a consciência preocupada da instrumentalização dos gestos de Luiz Cappio. Políticos do DEM viram romeiros, levanta-se uma certa esquerda, sempre à espreita para posicionar-se contra, às vezes com estardalhaço e emocionalidade. Interesses políticos não estarão capturando o gesto que parecia num primeiro momento profético e o aviltando? A profecia deve sempre ser livre e questionadora nas várias direções e não presa a uma bandeira ideológica que a apequene. Surge uma crítica ao governo em geral, com ares de oposição política, onde se fala até de ditadura hoje e de uma futura e indefinida democracia real.

Além disso, muitos vêm falando em martírio, o que parece grave e perturbador. Chesterton dizia que por acreditar realmente em milagres era contra seu uso banalizado, o que o levava a não acreditar nos apregoados milagres ao atacado. Algo parecido se passa com um ato tão sério como o martírio. Não basta apresentá-lo em nome de uma Fé mal explicada e reduzi-lo na defesa dos ribeirinhos do São Francisco, sem levar em conta outros pequenos ou pobres de diferentes partes do semi-árido e destes brasis afora. Tenho dificuldade de ver martírio na defesa de um rio, por mais simbólico que seja o Velho Chico. Respeitemos a seriedade e a radicalidade da noção de martírio.

Sei que me ponho com isso em contraponto com alguns companheiros de caminhada, mas há momentos em que calar é impossível, sem receio de perder simpatias e reconhecimentos. Não fazer isso seria solução de facilidade ou de oportunismo. É preciso ter coragem de dizer coisas difíceis e sofridas - com o risco, é claro, de engano ou simplificação -, mas na contramão de uma fácil unanimidade emocional.

Meu carinho por D. Cappio me obriga a posicionar-me fortemente contra sua instrumentalização, abastardando um gesto nobre, mas de uma radicalidade absolutizada, capturada por intencionalidades mais que discutíveis. Retome-se um diálogo adulto, de parte a parte, governo e bispo, mas fica difícil se este último se encerra na inflexibilidade de um absoluto não dialógico. Ao mesmo tempo, há que denunciar em voz alta o uso indevido de um testemunho para destruir um processo histórico brasileiro que caminha, certamente com falhas e dificuldades como todo processo histórico. A não ser que queiramos a volta revanchista de um tucanato sem compromissos com o país e com seus pobres; ou então entregar-nos aos devaneios vagos de um idealismo mal definido e jogando esperanças para um amanhã sem rosto nem data, fora de processos reais. Não é possível deixar um sinal escorregar em contra-sinal, capturado por intenções escusas. Bernanos, num de seus romances, mostrou com o melhor dos pastores, por ingenuidade ou moral sem raízes no cotidiano, pode cair prisioneiro de oportunismos inconfessáveis à espreita. E o que poderia ser testemunho e sinal - sacramento - se encolheria numa bandeira menor e mesmo eleitoreira, podendo também cair nas mãos dos que esperam processos futuros puros, improváveis e idealizados.

Aplica-se o que creio que Merleau-Ponty disse de certos cristãos: não têm mãos sujas simplesmente porque não têm mãos. Seria um triste fim para um gesto que começou desprendido e generoso. Francisco de Assis ajude seu irmão e filho Luiz a um discernimento concreto de real fidelidade com os mais variados pobres e excluídos deste país e o livre de um clima contaminado por políticos mal-intencionados ou por um moralismo cego, que é a própria negação de uma ética inserida numa história concreta da libertação.

Políticas sociais geraram empregos formais e recuperaram salários, aponta Ipea

(Sabrina Craide, repórter da Agência Brasil)

Brasília - As políticas sociais na área do trabalho e emprego possibilitaram uma recuperação dos salários e a ampliação do emprego formal, seguidas do aumento da taxa de cobertura dos segurados da Previdência no ano passado. A análise consta da 14ª edição do estudo Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise, divulgado hoje (13) pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea).

O número de empregados com carteira assinada passou de 39,7% em 2003 para 41,4% em 2006. Já os empregados sem carteira passaram de 15,5% para 14,8% no período e o número de autônomos caiu de 20% para 19,1%. Isso ocasionou o aumento da contribuição previdenciária total. Entre 2003 e 2006, a proporção de pessoas que contribuem para a Previdência aumentou 11,9% no país.

Também foi constatada uma queda na desigualdade de rendimentos. Os menores salários tiveram os maiores ganhos reais, com até 9,6% entre os 30% mais pobres. Segundo o estudo, isso foi motivado pela valorização do salário-mínimo, pela ampliação da ocupação e pelo aumento da participação previdenciária. Os mais bem remunerados tiveram aumentos menores, com ganho real de 3,7% entre os 20% mais bem pagos.

"A recuperação do salário é um dos elementos mais importantes, porque foi acompanhada da ampliação do emprego formal. E isso é fundamental porque aumenta a taxa de cobertura de segurados da Previdência, que vinha em queda e volta a subir", afirmou o diretor de Estudos Sociais do Ipea, Jorge Abrahão.

Segundo ele, hoje 45% da população economicamente ativa está coberta pela Previdência. Para Abrahão, o ano de 2006 foi "extremamente interessante" para o mercado de trabalho.

"É possível afirmar ter havido uma melhora geral das condições ocupacionais no mercado de trabalho metropolitano brasileiro em 2006, comparativamente aos anos imediatamente anteriores", afirma o estudo.

Vitória de Pirro

(por Miguel do Rosário)

Um dos senadores da oposição subiu ao palanque com cópia do site do Globo Online, onde aparece pesquisa com apoio esmagador ao fim da CPMF, o que comprova o poder, de fato, que a imprensa possui de influenciar o voto dos senadores, através da manipulação de estatísticas que não correspondem, nem de longe, a critérios democráticos que espelhem de fato a opinião pública nacional. Se pesquisa por telefone tradicionalmente conduz a um grande elitismo em seus resultados, uma pesquisa realizada exclusivamente por internet, dentro de um jornal cuja linha editorial tem sido a de uma oposição intransingente ao governo Lula e a tudo que ele defende, apenas distorce o debate político, fazendo prevalecer a opinião de um percentual insignificante da sociedade brasileira.

Os tucanos fizeram ouvidos de mercador aos apelos dos governadores de seus próprios partidos sobre a importância da CPFM. Os senadores tucanos se importam mais com a opinião de setores da imprensa de direita do que com governadores que representam uma quantidade de votos infinitamente maior que a deles.

O povo brasileiro foi derrotado, mas não é a primeira vez. A história do Brasil é uma história de derrotas inflingidas à parte pobre da população.

Acompanhei a votação da CPMF pela internet. Escutei discursos inflamados de senadores de todos os partidos. De fato, foi um belo dia para o senado brasileiro. Mas um péssimo dia para o país. A oposição agiu de forma absolutamente radical e irresponsável ao eliminar um imposto com o qual governadores e prefeitos contavam para 2008, e que, segundo a proposta do governo federal, seria integralmente destinado à saúde pública.

A votação mostra mais uma vez como o Senado se tornou o grande bastião do conservadorismo brasileiro. Com mandato de oito anos, os senadores eleitos há seis, sete, oito anos não refletem o Brasil de hoje. Eles querem produzir uma crise para causar erosão na popularidade do presidente Lula. Tiraram-lhe agora a verba que o governo usava para bancar o aumento nos investimentos em saúde, no bolsa família e no pagamento das aposentadorias rurais.

O impressionante nesta votação foi que todos os secretários de saúde dos estados e os quase seis mil prefeitos do país encaminharam pedidos aos parlamentares pedindo a prorrogação da CPMF. Os mesmos senadores que votaram contra a CPMF são os mesmos que vem praticando oposição sistemática, sempre com ajuda da imprensa, contra o governo Lula.

O ex-presidente José Sarney fez um excelente pronunciamento, alertando que se tratava de uma questão de Estado, não de luta partidária. Estamos a poucos dias de 2008 e a extinção de R$40 bilhões em receitas gerará, certamente, enorme confusão administrativa e financeira para o país. É lamentável, mas a história de um país também se constrói com derrotas e momentos tristes. Outros países já viveram guerras, intestinas ou com outros países, onde morreram milhões de pessoas. Há países que vivem guerras.

O crescimento de 5,3% do PIB nacional, no terceiro trimestre de 2007, aponta para um cenário extremamente positivo para a economia nacional. A popularidade de Lula tem crescido em todos os segmentos sociais. Continua absoluta entre os mais pobres e agora cresce também na classe média.

Não acredito que o governo Lula irá dar a batalha por perdida. A alternativa do governo será encontrar receitas em outros canais, que não passem pelo legislativo. A oposição fala em aumento da arrecadação como se fosse uma coisa negativa. Se o Brasil cresce, aumentam também as necessidades de investimentos em saúde, educação e infra-estrutura. A arrecadação precisa crescer. O governo pode economizar em muitos setores, mas é preciso primeiro reduzir despesas para, depois, cortar receitas.

A oposição ganhou essa batalha, mas pesará em sua consciência a imagem de ter se posicionado contra a esmagadora maioria da classe política executiva (prefeitos, governadores, executivo federal). De nossa parte, ficou explícita, mais uma vez, a falta de compromisso de alguns setores políticos-midiáticos com a justiça social.

Muitas mentiras foram levantadas para aprovar a CPMF. A alegação de que seria um imposto que incidiria, percentualmente, mais no pobre do que no rico e, portanto, seria um imposto injusto e nocivo aos pobres, constituiu uma falsidade das mais torpes, logo chanceladas pelos jornais, a começar pelo Globo. Ora, os pobres ganham tão pouco, que qualquer imposto que paguem, mesmo mínimo, incide sobre suas economias. Mas os serviços de saúde prestados ao pobre, na forma de tratamentos médicos de alta complexidade, programas sociais ou aposentadorias rurais, compensam sobejamente qualquer percentual (ínfimo) que o imposto represente na renda do pobre. Além do mais, se o imposto representa 2% da renda do pobre e 0,4% da renda dos muito ricos e empresas, esse 0,4% sobre a renda dos mais ricos corresponde a valores infinitamente mais altos que os pagos pelos pobres. Quase 80% da CPMF vem de empresas, portanto foi realmente falacioso o estudo da USP divulgado pelo Globo e amplamente usado pela oposição como forma de chancelar a teoria esdrúxula de que o imposto prejudicava o pobre.

A saúde brasileira ainda é de péssima qualidade, mas tem melhorado expressivamente. O programa governamental de assistência contra a Aids tem sido admirado e citado freqüentemente por governos e organizações internacionais como um dos melhores do mundo. Quero ver se esses senadores que votaram contra a CPMF terão a coragem de visitar os hospitais públicos brasileiros e conversar com os médicos, cuja maioria esmagadora deverá ter uma péssima noite de sono, depois de dias de glória com a aprovação, pelos deputados, de nova lei que destina mais R$24 bilhões para a saúde brasileira em quatro anos.

O debate sobre a questão tributária também tem sido conduzido de maneira hipócrita pela oposição. O senador Sérgio Guerra falou que o Brasil precisaria ter um regime tributário de primeiro mundo, procurando com esse argumento justificar sua posição contra a CPMF, mas não informou aos telespectadores que a carga tributária dos países de primeiro mundo é muito superior à do Brasil.

Também falaram que o Brasil cresce pouco, apenas superado pelo Haiti. Bem, primeiro que agora estamos crescendo a 5,6%, o que é um dos crescimentos mais vigorosos entre países em desenvolvimentos e se torna mais signicativo se considerarmos que ele vem acompanhado de um forte movimento de distribuição de renda, inflação baixa e expansão da capacidade produtiva. Segundo que os que acusam o baixo crescimento do Brasil, esquecem que a comparação com pequenos países centro-americanos é falaciosa. O Brasil cresceu o mesmo que o México, único país com população e o PIB parecidos com o nosso. E vem crescendo bem mais que os países de primeiro mundo, que apresentam crescimentos pífios.

A senadora Katia Abreu disse que o Brasil perdeu para China exportações para os Estados Unidos, omitindo que o seu cálculo é abstrato. Em termos reais, as exportações brasileiras para os EUA aumentaram fortemente nos últimos anos e o Brasil hoje exporta muito mais para os EUA do que nos tempos fernandinos. O que aconteceu foi uma gigantesca expansão das exportações nacionais para mercados diversos, como Oriente Médio, Ásia, Leste Europeu e muito para o próprio Mercosul. O que significa que o Brasil diversificou seu leque de clientes, deixando de ficar refém de um só país, o que é perigoso, imprudente e causa instabilidade comercial para o país.

Por fim, o cancelamento da CPMF cheira a corrupção bancada pela Fiesp, ou a setores específicos da entidade, com vínculos estreitos com determinadas lideranças partidárias. Os profissionais da saúde amanhecerão preocupados nesta quinta-feira, e o governo terá que ser criativo para encerrar dignamente seu mandato.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Bons resultados de um bom governo

CNI/Ibope: Avaliação positiva de Lula sobe para 51%
(fonte: último segundo)

A Pesquisa CNI/Ibope, divulgada nesta quarta-feira, trouxe, em números absolutos, o melhor índice de avaliação do governo neste ano. De acordo com o levantamento, das 2002 pessoas entrevistadas, 51% consideraram o governo "bom ou ótimo", um crescimento de 3 pontos percentuais em relação à pesquisa de setembro. Outros 31% consideraram o governo "regular", enquanto a avaliação "péssimo ou ruim" variou de 18% para 17%, em relação a setembro.

A aprovação da maneira como Lula está governando o País subiu de 63% para 65%, enquanto a desaprovação caiu de 33% para 30%. Já a confiança no presidente, ficou estável, permanecendo com 60%, enquanto o índice dos que não confiam caiu de 37% para 35%.

Na avaliação por área específica, houve melhora em quatro itens: combate ao desemprego, cuja aprovação subiu de 43% para 47%, e a desaprovação caiu de 53% para 51%; Saúde e Educação, na qual a aprovação sobe de 51% para 53%, e a desaprovação varia de 46% para 45%; combate à fome e à pobreza, subindo na aprovação de 54% para 57% e a desaprovação caindo de 43% para 41%; e Meio Ambiente, que subiu, na aprovação, de 47% para 50% e a desaprovação caiu de 47% para 44%.


Economia

Atribuído à perspectiva econômica, a pesquisa apontou melhora nas expectativas dos brasileiros. Por exemplo, em uma projeção para os próximos seis meses, caiu de 52% para 49% o índice dos que acreditam que a inflação vai crescer e sobe de 28% para 31% os que acreditam que vai haver redução de preços.

Caiu também o índice dos que acreditam no aumento do desemprego: saindo de 52% para 46%, enquanto sobe os que acreditam que o número de postos de trabalho pode aumentar de 26% para 28%.

Sobre o aumento da renda geral, o índice variou 31% para 30%, enquanto 23% acreditam que não vai mudar, caindo três pontos percentuais. O maior índice, no entanto, ficou com os que acreditam que não vai mudar: 43%, um aumento de cinco pontos percentuais em relação à pesquisa de setembro.

Já a renda pessoal registrou índices mais estáveis: 38% acham que vai aumentar. O item teve uma leve queda de dois pontos percentuais para os que acreditam que a renda pessoal vai diminuir, passando de 16% para 14%, e o quesito "não vai mudar" sobe de 42% para 44%.

A pesquisa trouxe, ainda, um item novo: se a vida melhorou nos últimos dois anos. Para 37% dos entrevistados, nada mudou, mas para 50% a vida melhorou e 12% disseram que a vida piorou.

Em relação à pesquisa de setembro, subiu de 68% para 71% os que consideram o ano de 2007 bom, até o momento. O tópico dos que consideram o ano ruim caiu de 18% para 15%.

Quanto a 2008, a expectativa de que seja um ano "muito bom" subiu de 18% para 36%, enquanto os que consideravam o ano "bom" caiu de 63% para 52%, o que representa uma migração para um conceito mais elevado, já que a avaliação "ruim" caiu de 10% para 4%, e o "muito ruim" ficou em 3% em relação à pesquisa anterior.

A Pesquisa CNI/Ibope ouviu 2002 pessoas em 141 municípios, de 30 de novembro a 5 de dezembro. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Zilda Arns faz apelo em favor da CPMF

(do blog Os amigos do Presidente Lula)

Ex-coordenadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns fez um apelo direto ao coração do senador Pedro Simon (PMDB-RS) pelo voto em favor da CPMF. Contou que, sem a contribuição, 81 instituições assistenciais gaúchas correm o risco de fecharem por falta de repasses do governo. Foi o suficiente para dirimir qualquer dúvida do peemedebista. Simon diz que vota a favor

Quem levou a notícia ao Planalto....

A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), chegou ontem às 18h ao Palácio do Planalto para se encontrar com Lula. Além de pleitos por mais recursos para as combalidas finanças gaúchas, Yeda levava a notícia da conversão de Pedro Simon para a turma pró-CPMF.

Quem diria...

A turma do Democratas sempre elogiou o médico Adib Jatene, ex-ministro da Saúde do governo de Fernando Collor e de Fernando Henrique de Cardoso. Ontem, a situação se inverteu. Quando os democratas souberam dos efusivos aplausos a Jatene no Palácio do Planalto, desdenharam: "Ele é um excelente cirurgião, mas não entende de política", comentava o tesoureiro do partido, o ex-deputado Saulo Queiroz.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Rindo com Fernando Henrique Cardoso

(Do blog do Mello)

Em certa altura de seu artigo publicado em O Globo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirma o seguinte:

Nada contra, portanto, que se consulte diretamente o povo sobre questões definidas, desde que haja debate prévio e livre para que as opiniões se formem. [Embora para a emenda que possibilitou sua reeleição ele não tenha consultado o povo] Nem muito menos que se ampliem os canais de participação popular no processo deliberativo. Quando, entretanto, se criam condições para transformar as consultas em formalidades manipuladas pelo peso da presença governamental na mídia ou pelo uso dos benefícios governamentais para provocar a adesão ao líder, só se lendo o direito pelo avesso se pode falar em democracia.

Peso da presença governamental na mídia?! No Brasil? Na Venezuela? Ele só pode estar brincando. A mídia nesses dois países é totalmente antigovernista.

Outra coisa que eu acho curiosa é a análise que costumam fazer dos programas sociais dos governos populares e que está referida no trecho "uso dos benefícios governamentais para provocar a adesão ao líder". Queriam o quê? Que o povo votasse contra os que lhe concedem benefícios?

- Não vou votar no Lula não. Desde que ele virou presidente a minha vida melhorou, o país melhorou... Sabe, não acho justo votarmos nele só porque estamos sendo beneficiados... O certo é votar em quem não faz nada pela gente porque aí a gente tá sendo imparcial, tá mostrando que é independente...

O strip-tease da Folha de S.Paulo

A manchete deste domingo revela a pretensão do jornal paulista em distorcer fatos e números, além de evidenciar o papel da grande imprensa como elemento central das articulações das forças conservadoras.

(Gilson Caroni Filho, para a Agência Carta Maior)

Que não existem manchetes inocentes todos sabemos. A da primeira página da Folha de S.Paulo de domingo, 2/12/2007 ("65% rejeitam 3º mandato para Lula"), além de não ser exceção, tem dois méritos: revela a pretensão do jornal paulista em distorcer fatos e números de acordo com seus sagrados desígnios, além de evidenciar o papel da grande imprensa como elemento central das articulações das forças conservadoras.

O editorial ("Mania de mudança") justifica o expediente ilusionista da capa. Trata-se de "dar por encerrado o capítulo das grandes reformas que envolvem ciclos eleitorais. O apaziguamento dos partidos a esse respeito é passo crucial para que instituições mais específicas da política, como a fidelidade partidária e o sistema de voto, possam ser aperfeiçoados". Belas palavras para um exercício tão pobre de tergiversação.

Não consta que o governo Lula tenha qualquer vocação autocrática, como gostam de afirmar seus detratores. E muito menos que os processos em curso na América Latina apontem para autocracias. É bom lembrar ao desavisados que o antônimo de oligarquia não é tirania. E as reformas no país venezuelano não significam ditadura à vista.

Confundir, deliberadamente, proposição de um parlamentar para que o presidente possa convocar plebiscitos com aspiração a terceiro mandato faz parte da estratégia política de um projeto derrotado nas urnas. Sem projeto alternativo, vive na lógica enviesada dos factóides que redações prestimosas logo inserem na pauta das discussões políticas. Mas o que título oculta? Na página A-4, é revelado que para 63% dos entrevistados nenhum presidente deve ter esse direito. "O percentual sobe para 66% quando se trata de governadores e vai a 67% no caso de prefeitos". A rejeição a um terceiro mandato não é, portanto, exclusividade do presidente, como é sugerido na esmerada capa.

Se o que define uma manchete é seu caráter remissivo ao que há de mais importante dentre as notícias contidas numa edição, os editores da Folha, numa hipótese tão ingênua quanto remota, não conhecem o ofício.

Se aceitarmos que todo procedimento que falseia a realidade é de ordem ideológica, precisamos folhear o diário da família Frias para chegarmos ao que se busca ocultar. Somente na décima segunda página descobrimos o que produziu o conteúdo estampado na vitrine do produto: em relação à pesquisa anterior, houve uma oscilação positiva de dois pontos percentuais na avaliação do governo. E, fato crucial para redatores zelosos do seu dever de classe, "a aprovação do governo subiu na região Sudeste, entre brasileiros que integram famílias com renda acima de dez salários mínimos, e os que vivem em capitais, e também os mais escolarizados". Ou seja, o aumento de popularidade de Lula também se dá no universo dos leitores da Folha. Um baque para os combatentes Clóvis Rossi, Eliane Catanhêde e Josias de Souza, entre tantos outros.

Como ficam os analistas políticos que, na última pesquisa do Ibope, afirmavam que a oscilação negativa, dentro da margem de erro, sinalizava para uma inequívoca tendência de perda de popularidade do governo? O que tem a dizer, agora, a distinta Lúcia Hipólito, uma das mais falantes "meninas do Jô"? São "momentos dramáticos" para jornalistas e acadêmicos de inclinação tucana.

A pesquisa sai quando soa o alarme para os jornalões. Há movimentos significativos na superfície na política econômica do governo. Já se fala em redução do superávit primário, queda nos juros e intervenção no câmbio. São coisas intragáveis para colunistas que tanto exaltam as virtudes de arrocho fiscal e choque de gestão.

No mais, o que o Datafolha revela quanto a intenções de voto para 2010, é absolutamente previsível. Que os nomes que disputaram a última eleição presidencial fossem mais lembrados não é surpresa. Isso explica a liderança de Serra e, principalmente, o fato de as intenções de voto em Heloísa Helena serem quase o triplo do percentual alcançado por ela no ano passado. Mas seria interessante, do ponto de vista metodológico, incluir Lula em um dos cenários. Apenas como exercício projetivo. E se ele ficasse à frente do governador paulista, como se sustentaria a manchete dominical?

Estamos diante de uma primeira página emblemática. Expôs disputa entre as frações do PIG. Mostrando uma insuspeita desenvoltura, a Folha rebolou em trajes íntimos, alcançando a pole dance do cabaré demo-tucano. Não demora muito e o Globo a desbanca. É uma questão de tempo.

sexta-feira, novembro 30, 2007

Quem tem medo do Grande Sertão?

(Por Miguel do Rosário, do blog Oleo do Diabo)

Muita gente, muita gente mesmo corrobora a fala de FHC. Que Lula é mesmo um analfabeto. Depois da repercussão do que disse o Farol de Alexandria, todos ficaram atentos para pegar o presidente falando errado. Ele deu entrevistas na televisão recentemente e, numa de suas viagens verbais, soltou a pérola: "principalidade". O Ancelmo Góes tascou uma notinha zoando o suposto erro. Eu também havia estranhado a tal "principalidade". Mas eu tinha compreendido exatamente o que o Lula queria dizer e quanto você entende bem uma frase a tendência é de que ela tenha sido expressa corretamente e não o contrário. Fui conferir no Mestre:

principalidade
[Do lat. principalitate.]
Substantivo feminino.
1.Qualidade de principal.


Ou seja, o Apedeuta usou a palavra certa. Usou uma palavra rara. Uma palavra culta. Uma palavra original.

O que me faz lembrar no que eu venho pensando há alguns dias. Como alguém pode dizer que Lula sabe mal o português se ele deve o prestígio que conquistou (ganhou duas vezes as eleições presidenciais, acumula índices altos de popularidade, é adorado na ONU, na Casa Branca e na Venezuela) justamente à seu talento retórico? Aliás, se os tucanos realmente acreditam que o governo Lula é uma merda, então eles deveriam, necessariamente, considerar Lula um mago da sedução verbal.

Eu sou intelectual e não me orgulho disso. São fatalidades da vida. Mas francamente, se eu aprendi uma coisa é isso: GRANDE MERDA SER INTELECTUAL. Não tem dinheiro, não tem pragmatismo, não tem confiança em nada. Ser intelectual é uma merda. Nem a inteligência é garantida. Ao contrário, todo intelectual é meio sonso. As pessoas confundem cultura com intelectualismo. Confundem inteligência com cultura. É importante ter cultura. Ser intelectual é uma desgraça poética à parte.

Voltando ao português do Lula, eu acho que o presidente fala bem melhor que qualquer tucano, tanto que ganhou eleições de lavada. Numa democracia, ganha quem fala melhor. Por isso a democracia é tão apaixonante, porque ela tem um componente puramente ideológico, linguístico, retórico. E desde Sócrates, a beleza reside no verdadeiro. Não na tola ostentação verbal. O português rude de um homem do povo pode ser mais belo e criativo que o português ornamental e enfadonho de tucanóides uspianos. FHC deveria reler os livros de Guimarães Rosa e enfiar a viola no saco para todo sempre.

quarta-feira, novembro 28, 2007

¿Por qué no te callas, éfe-agá?


Para quem ainda não entendeu...

Para quem ainda não entendeu que a imprensa trabalha contra o governo Lula
(do blog do Mello)

A notícia é que, pela primeira vez na história, o Brasil sobe de patamar e passa para o primeiro grupo, entre os países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), graças, principalmente – como frisa a ONU – ao programa Bolsa Família.

Manchete de O Globo:

- Na 'lanterna' da elite mundial

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Li isso e lembrei na hora do início do Bom Dia Brasil de Hoje. Pela cara de velório dos apresentadores, parecia que o éfe-agá tinha morrido!

terça-feira, novembro 27, 2007

ONU: Brasil entra em grupo de alto desenvolvimento

(Daniel Gallas, de Londres, para a BBC Brasil)

O Brasil entrou pela primeira vez para o grupo de países de "alto desenvolvimento humano" no ranking elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), divulgado nesta terça-feira em Brasília.

De acordo com o relatório da ONU, o Brasil atingiu o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,800, em uma escala de 0 a 1. Países com índice inferior a 0,800 são considerados de "médio desenvolvimento humano", categoria na qual o Brasil figurava desde 1990, quando o PNUD começou a divulgar o ranking.

Os dados do relatório divulgado nesta terça-feira são referentes a 2005. No relatório do ano passado, de 2004, o IDH do Brasil foi de 0,798, já com os dados revisados.

Apesar de ter tido uma pontuação maior, o país caiu uma posição no ranking e agora ocupa o 70º lugar, o último entre os de nações com "alto desenvolvimento". Nesse grupo, que saltou de 63 para 70 neste ano, o Brasil também é o país com maior desigualdade entre ricos e pobres, seguido por Panamá, Chile, Argentina e Costa Rica. No Brasil, os 10% mais ricos da população têm renda 51,3 vezes maior do que os 10% pobres.

Além do Brasil, países como Rússia, Macedônia, Albânia e Belarus também ingressaram no rol dos países de "alto desenvolvimento humano" nesta edição do ranking, que neste ano foi liderado pela Islândia, com IDH de 0,968.

Revisão

O IDH é um índice usado pela ONU para medir o desempenho dos países em três áreas: saúde, educação e padrão de vida. O índice é composto por estatísticas de expectativa de vida, alfabetização adulta, quantidade de alunos na escola e na universidade e o Produto Interno Bruto (PIB) per capita.

O Brasil subiu não só devido a melhoras reais nos campos avaliados pelo IDH, mas também em função de revisões de estatísticas nos bancos de dados da Unicef e do Banco Mundial – órgãos que fornecem os números para o PNUD, normalmente baseados em dados produzidos pelos próprios países.

Revisões estatísticas também revelaram que os padrões de educação e expectativa de vida no Brasil aumentaram em 2005. A expectativa de vida média subiu de 70,8 anos, no relatório anterior (71,5 no número revisado), para 71,7 anos em 2005. A revisão foi feita em 62 países, a partir do ajuste do impacto da Aids na longevidade das populações, menor do que se pensava anteriormente.

Ritmo estável

De 2004 para 2005, o Brasil melhorou em todos os itens que compõem o IDH, com exceção da alfabetização adulta – que ficou estável em 88,6% da população com mais de 15 anos. O outro subitem ligado à educação, a taxa de matrícula escolar total, havia sido revisado de 85,7% para 87,5% para o ano de 2004 e foi repetida em 2005 porque não havia ainda dados disponíveis para aquele ano na data da elaboração do relatório, em abril deste ano.

O desempenho econômico do país também contribuiu para melhorar o padrão de desenvolvimento humano. O PIB per capita anual aumentou 2,5% de 2004 para 2005, atingindo US$8.402 (por paridade de poder de compra).

De 1990 a 2005, o PIB per capita brasileiro cresceu em média 1,1% por ano, ritmo idêntico ao da Argentina, mas bastante inferior ao do Chile – que cresceu em média 3,8% ao ano.

O PNUD começou a divulgar o IDH desde 1990, mas traz dados para vários países retroativos a 1975. Desde então, o Brasil vem melhorando o seu índice de desenvolvimento humano em um ritmo estável.

Em 1975, o IDH brasileiro era calculado em 0,649. Desde então o Brasil vem mantendo uma média de crescimento de cerca de 0,050 no índice a cada dez anos.

Segundo o economista Flavio Comim, especialista em desenvolvimento humano e assessor especial para o PNUD, o aumento de número de alunos matriculados em escolas foi o fator que mais contribuiu para a melhora do IDH do país no longo prazo. Desde 1990, o índice subiu de 67,3% para 87,5%.

Para Comim, a importância de entrar na lista dos países de alto desenvolvimento humano é "simbólica, mas significativa, pois abre espaço para uma agenda mais ambiciosa no Brasil".

Segundo ele, um dos motivos que faz o Brasil ficar em último lugar entre as nações de "alto desenvolvimento humano" no IDH é o fato de que os indicadores sociais brasileiros estão muito abaixo do nível de renda do país.

Comim identifica cinco áreas em que o Brasil ainda precisa melhorar para subir no ranking: combate à pobreza e à desigualdade, saneamento, mortalidade infantil e mortalidade materna. Nessas áreas, segundo ele, o Brasil está muito atrás dos demais países, mesmo os latino-americanos.

Comim afirma que, baseado em dados já disponíveis sobre 2006, o Brasil deve melhorar ainda mais o seu IDH no relatório do ano que vem.

domingo, novembro 25, 2007

Entrevista com FHC

(Por Eduardo Guimarães, em seu blog Cidadania)

Se o Brasil tivesse uma grande imprensa em vez de um grande partido político, FHC estaria em maus lençóis. Digamos que vivêssemos na Finlândia ou na Bélgica, por exemplo. Se assim fosse, o ex-presidente teria que responder a questões que não saberia como. Contudo, ele está no Brasil, um país que não tem imprensa.

Assim sendo, como a grande imprensa não entrevista FHC da forma como deveria, o blog Cidadania o entrevistou. Acompanhem, a seguir, o resultado dessa conversa.

Blog Cidadania: O sr. diz que o Brasil cresce pouco, mas, quando o sr. foi presidente, crescia ainda menos do que hoje. O Sr. não está criticando o governo Lula por não fazer o que o seu governo também não fez?

FHC: Naquele tempo, havia crises econômicas mundiais, por isso o país não cresceu. Hoje, o mundo inteiro está crescendo e o Brasil, não.

BC: O Sr. está dizendo que, durante seus oito anos de governo, ninguém cresceu em parte nenhuma do mundo por causa de uma crise econômica "mundial"?

FHC: As crises do México, da Ásia, da Rússia, todas atrapalharam muito. A Argentina teve problemas muito piores do que os nossos...

BC: Mas esses problemas não foram de todos, "presidente". O Chile, por exemplo, vem crescendo, desde aquela época, a taxas expressivas. O baixo crescimento "mundial" do seu período no governo não atingiu apenas os países que tinham políticas cambiais consideradas "perigosas" por serem irreais?

FHC: Na verdade, nós tínhamos essa percepção de que era preciso desvalorizar o real, mas esperávamos uma boa oportunidade que, na nossa visão, não surgiu antes do ataque especulativo de janeiro de 1999.

BC: Foi bom o sr. ter tocado nesse ponto, "presidente", porque essa é, justamente, a próxima pergunta, sobre a desvalorização do real. Durante a campanha eleitoral de 1998, a oposição ao seu governo, encabeçada pelo PT, dizia que era preciso desvalorizar o real, mas o sr. disse, em montes de peças publicitárias de sua campanha naquele ano, que era desnecessário desvalorizar a moeda, e que se Lula vencesse a eleição, seria ele que desvalorizaria a moeda. Contudo, o sr. acaba de me dizer que o sr. esperava momento propício para desvalorizá-la. Afinal, qual é a verdade, o sr. tinha percepção de que era preciso desvalorizar o real ou não tinha?

FHC: Nós tínhamos a convicção de que era preciso desvalorizar o real em algum momento, mas não achávamos que era naquele momento da eleição.

BC: Mas a desvalorização veio de qualquer forma, nem dois meses depois que o sr. se reelegeu. Isso não prova que quando o PT dizia, durante a campanha eleitoral de 1998, que era preciso desvalorizar o real, ele estava certo e o sr. errado?

FHC: Ah, mas o PT não dizia isso porque acreditava no que dizia. Falava apenas para criar pânico. O PT apostava no quanto pior, melhor. Não era como a oposição que lhe fazemos hoje, responsável, propositiva.

BC: O sr. entende por "oposição responsável" o sr. e seu partido tentarem tirar do governo do PT um imposto que o sr. criou e transformou de "provisório" em "permanente", que é a CPMF?

FHC: Os tempos mudaram. Não há mais crise econômica. E o dinheiro da CPMF, meu sucessor usa para outras finalidades que não a Saúde, para a qual o imposto foi criado.

BC: Mas "presidente", uma das principais queixas da então oposição petista ao seu governo era a de que o dinheiro da CPMF não era usado na Saúde. Não lhe parece que o apoio ou o repúdio à cobrança de impostos depende apenas de aquele que critica ou apóia essa cobrança estar no governo ou na oposição? Será que tanto o sr. quanto o PT não eram - e ainda são - movidos muito mais pela conjuntura política do que pelo interesse público?

FHC: É que no tempo em que eu governava havia uma crise mundial, nós precisávamos da CMPF por causa da baixa arrecadação gerada pela crise.

BC: O sr. e seu partido têm criticado contundentemente o que a mídia chamou de "apagão aéreo". Essa seria a contrapartida petista ao apagão de energia elétrica ocorrido em seu governo?

FHC: O apagão aéreo é resultado da mais pura incompetência do PT; a escassez de energia elétrica durante meu governo, que nos obrigou a racioná-la, deveu-se às muitas crises econômicas mundiais, como a do México, em 1995, a crise asiática, em 1997 e 1998 e a crise russa, em 1998 e 1999.

BC: Voltando às crises "mundiais", os países envolvidos nelas - e muitos não foram afetados por elas - não eram justamente os que tinham o mesmo problema de câmbio irreal que tinha o Brasil?

FHC: Eram países muito diferentes entre si os que foram afetados pelas crises da década de 1990. O câmbio era só um detalhe, os problemas eram mundiais.

BC: Então como o sr. explica os muitos países, inclusive do Terceiro Mundo, que não foram afetados pelas crises que o sr. diz mundiais e que, em comum, tinham políticas cambiais livres?

FHC: A crise era mundial, era mundial, não vejo essa relação entre políticas cambiais que você afirma. Você só falou do Chile...

BC: Posso dar um outro exemplo: não foi justamente naqueles anos de "crise" que a economia chinesa cresceu exponencialmente e se consolidou como uma das maiores do mundo?

FHC: A China também não serve como exemplo, porque lá vigia o trabalho escravo. O trabalhador chinês ganha misérias.

BC: O sr. afirma que pagar misérias ao trabalhador foi o que gerou o crescimento econômico espantoso da China? Mas o peso dos salários no orçamento de uma empresa brasileira é um dos menores do mundo.

FHC: É que aqui temos outros problemas, como a Previdência, por exemplo.

BC: Mas o sr. tinha maioria no Congresso. Conseguiu facilmente aprovar a emenda constitucional que lhe permitiu candidatar-se à reeleição. Por que não aprovou uma reforma da Previdência?

FHC: É que a mudança na Constituição que permitiu aos prefeitos, governadores e presidentes disputarem a reeleição, foi uma mudança política. Mudanças econômicas eram mais difíceis de aprovar numa época em que o mundo estava em crise econômica.

BC: O sr. diz que o PT copiou seus programas sociais, mas em 2008 o governo federal irá destinar R$ 16,5 bilhões para projetos sociais como o Bolsa Família, que uniu as várias bolsas que seu governo pagava, mas que está investindo neles pelo menos umas cinco vezes mais do que o seu governo investia. Além disso, foram criados programas adicionais como o Prouni, que está permitindo a jovens pobres ingressarem no ensino superior como nunca havia acontecido antes no Brasil.

FHC: Você tem que entender que hoje há muito mais dinheiro para investir. Na minha época, o mundo estava em crise econômica, mas foi graças ao que EU plantei que o PT agora tem tanto dinheiro para investir em programas sociais.

BC: Mas durante seu segundo mandato, "presidente", o Brasil mergulhou numa crise enorme. A inflação disparou, o risco-país explodiu, o desemprego explodiu, a violência explodiu. Sua política cambial era irreal e gerava medo dos investidores externos de colocarem dinheiro no Brasil e obrigava o governo a aumentar exponencialmente os juros (seu governo chegou a pagar uma taxa Selic de 25%) para atrair ou manter dólares no país. Só na crise cambial de 1999, seu governo fez empréstimos externos da ordem de mais de 40 bilhões de dólares. Quais foram os benefícios que seu governo legou ao atual?

FHC: Meu governo acabou com a inflação, por exemplo.

BC: Mas a taxa de inflação de seu último ano de governo, por exemplo, ficou na casa dos dois dígitos, e o dólar chegou a R$4. Além disso, o plano Real não passou de uma variação de outros planos que foram implantados por toda América Latina, tendo sido o primeiro país a adotar a âncora cambial, a Bolívia.

FHC: Ah, inflação maior, fuga de divisas, tudo foi culpa do Lula. O mercado tinha medo dele. Por isso houve um ataque especulativo em 2002.

BC: Em 1999, em 2000 e em 2001 a culpa pela fuga de divisas, pelo desemprego e pela inflação em alta também foram do Lula, "presidente"? Porque nesses anos a inflação foi subindo, o desemprego aumentando... Além disso, se o seu governo tivesse realmente construído bons fundamentos econômicos, não seria o caso de o país ter resistido às incertezas geradas pela provável vitória de Lula em 2002?

FHC: É que em 2002 havia a crise argentina...

BC: Uma crise decorrente de um modelo cambial similar àquele que produziu a quebra do Brasil em 1999, não é?

FHC: O Brasil não "quebrou" em 1999. Tanto que recebemos empréstimos de dezenas de bilhões de dólares dos EUA e do FMI.

BC: Empréstimos que o atual governo pagou, não é?

FHC: Graças ao meu governo...

BC: Sei... Bem, o sr. tem dito que seria "golpe" o presidente Lula disputar um terceiro mandato e o acusa de pretender mudar a Constituição de forma que ela passe a permitir que presidentes possam disputar quantos mandatos quiserem. Mas o sr. não propôs mudança do texto constitucional que lhe permitiu disputar a reeleição? Tal proposta também não foi "golpista"?

FHC: Não fui eu que propus a emenda da reeleição, foi o Congresso.

BC: Foram seus aliados no Congresso... Aliás, dizem que seu ministro das comunicações Sergio Mota aliciou parlamentares (financeiramente) para que votassem a favor da mudança à Constituição. Surgiu até um caso de quatro deputados do Acre...

FHC: Essa é uma calúnia abjeta. Você veja que a emenda da reeleição passou no Congresso com uma margem de superioridade enorme. Eu não precisaria dos votos de alguns deputados que disseram que se venderam para votar a favor da emenda.

BC: "Presidente", esse é o argumento do governo Lula para dizer que não teria sentido pagar mensalão para os poucos deputados que teriam recebido dinheiro para votar de acordo com o governo. E os que foram identificados, foram poucos também, como no caso dos acusados de terem sido pagos para votar a favor da reeleição.

FHC: A diferença é que no meu caso, é verdade.

BC: Sobre corrupção, "presidente", o sr. e seu partido têm sido extremamente duros com o governo do seu sucessor. O PSDB exigiu, no Congresso, várias CPIs e conseguiu todas. Contudo, quando o sr. estava no governo, sua base de apoio conseguiu impedir a grande maioria das investigações parlamentares. Teve a CPI da corrupção, que não saiu, a da compra de votos da reeleição e várias outras. Hoje, porém, os sr. alega que quem não deve não deveria temer investigações. Não é uma contradição?

FHC: No meu tempo, o PT pedia CPIs para transformá-las em palanques políticos. E quem rejeitava as CPIs era o Congresso, não eu. Além do que, os escândalos petistas estão cheios de provas.

BC: É exatamente isso o que diz o presidente Lula, sobre a oposição querer fazer das CPIs palanques políticos. Mas posso dizer que ao menos no caso da CPI da compra de votos, as provas eram extremamente consistentes. Deputados foram flagrados em escuta telefônica dizendo que seu ex-ministro das Comunicações havia pago 200 mil reais a cada um para votarem a favor da emenda da reeleição.

FHC: Então eu respondo que quem barrou as CPIs no Congresso, quando eu governava, não fui eu, foi o Congresso.

BC: Foi sua base aliada no Congresso...

FHC: Eu não controlava a decisão dos parlamentares.

BC: O presidente Lula controla, "presidente"?

FHC: Isso você tem que perguntar a ele.

BC: Ok, "presidente", agradeço pela entrevista.

FHC: Não há de que.


Bem, o que vocês acharam? Parece mesmo uma entrevista com FHC, não? E é, de alguma forma, pois as respostas dele que vocês viram aqui, são exatamente as que ele vem dando no decorrer dos anos. Juntá-las todas requereu pesquisa na internet e aos meus arquivos particulares. Mas, quem tiver paciência, pode verificar que tudo aquilo que escrevi como se tivesse sido dito pelo ex-presidente, ele realmente disse em algum momento. Só tive que juntar declarações esparsas.

Agora, vocês já imaginaram se alguém de notoriedade na imprensa tivesse coragem de fazer uma entrevista desse tipo com FHC? Infelizmente, jornalistas famosos, que teriam acesso ao ex-presidente, não ousariam questioná-lo dessa forma. Assim, enquanto os jornalistas com meios de conseguir uma entrevista com ele não cumprem sua obrigação, fiquem com minha entrevista imaginária, que, de imaginária, só tem o fato de que não foi feita. Mas poderia ter sido, não é? Estou certo de que o resultado seria o que vocês acabam de ver.


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quarta-feira, novembro 21, 2007

Só para comparar...

Recebi hoje, pelo grupo do MSM, entre outros bons textos, dois que me chamaram atenção por serem exemplos opostos de ética jornalística.

O primeiro é o texto da postagem anterior, "Para compreender a força de Lula", em que o professor Ladislau Dowbor traça um panorama da questão da desigualdade social e das políticas públicas praticadas pelo governo Lula, baseando-se em números oficiais, com fontes não só citadas como linkadas, ou seja: acessíveis a qualquer leitor. Mais do que despejar números, Dowbor cruza dados e os contextualiza, o que confere credibilidade e coerência ao texto.

O segundo é um post do blog Logística e Transporte, em que o autor, o engenheiro José Augusto Valente, põe abaixo, com dados, fontes e links, qualquer credibilidade ou coerência que poderia ter um artigo publicado no Estadão de hoje. Com o título Sem ferrovias, rodovias, hidrovias e portos, o festival de irresponsabilidades pinta um quadro tétrico para o futuro do Brasil, baseando-se em "fatos" do presente tais como "as estradas estão em petição de miséria", "as ferrovias praticamente não existem" e "os portos continuam reféns das Docas politizadas". Tais afirmações, ao contrário dos argumentos de Valente, não vêm acompanhadas de nem uma única pistazinha que ajude o leitor a descobrir de onde elas saíram, o que me faz deduzir que a origem das mesmas é tão somente (para não dizer outra coisa...) o sovaco da jornalista. Convido todos a lerem os dois - o artigo no Estadão e a análise do engenheiro - e tirarem suas próprias conclusões.

E ouso fazer um pedido: mesmo não encontrando de imediato uma fonte tão precisa quanto as do blog do engenheiro, mantenha sempre um pé atrás com a grande mídia. Pergunte-se sempre de onde veio aquela informação, quem disse, quando, em que contexto, é comprovável? Se o artigo contiver palavras e expressões do tipo "supostamente", "hipótese", "não-confirmado" ou "documentos guardados a sete chaves", desconfie em dobro. Não serei leviana de dizer que a mídia mente sempre, mas que é bom checar antes de comprar gato por lebre, ah, disso eu não tenho a menor dúvida!

Para compreender a força de Lula

Está na PNAD a explicação para a popularidade do presidente, que intriga mídia, direita e parte da esquerda. País tornou-se menos desigual, em múltiplos sentidos. Chamar os avanços alcançados de "assistencialismo" não ajuda a entender a realidade, nem a reivindicar mudanças mais profundas

Ladislau Dowbor, para o Le Monde Diplomatique Brasil

É tempo de fazer as contas. Com a deformação geral dos dados pelo prisma ideológico da grande mídia, torna-se necessário buscar nas fontes primárias de informação, nos dados do IBGE, como andam as coisas. A reeleição mostrou forte aprovação por parte dos segmentos mais pobres do país a Lula, mas os números reais sobre a evolução das condições de vida do brasileiro surgem com o atraso natural dos processo de elaboração de pesquisas. O IBGE publicou a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio de 2006, e também o Indicadores Sociais dos últimos 10 Anos. Vale a pena olhar a imagem que emerge: ela explica não só os votos, como o caminho que temos pela frente.

O principal número é, evidentemente, o aumento de 8,7 milhões de postos de trabalho no país durante o último governo. Isto representa um imenso avanço, pois se trata aqui de uma das principais raízes da desigualdade: grande parte dos brasileiros se vê excluída do direito de contribuir para a própria sobrevivência e para o desenvolvimento em geral. Entre 2005 e 2006 o avanço foi particularmente forte, com um aumento de 2,4%, resultado da entrada no mercado de trabalho de 2,1 milhões de pessoas. A expansão do emprego feminino é particularmente forte (3,3,%), enquanto o dos homens atingiu 1,8%. A formalização do emprego é muito significativa: 3 em cada 5 empregos criados são com carteira assinada. Atingimos assim, em 2006, 30,1 milhões de trabalhadores com carteira assinada, um aumento de 4,7% em um ano. O avanço é pois muito positivo, mas num quadro de herança dramático, que o próprio IBGE aponta: "mais da metade da população ocupada (49,1 milhões de pessoas) continuava formada por trabalhadores sem carteira assinada, por conta-própria ou sem remuneração" [1]

O segundo número, que ocupou as manchetes de todos os jornais, é a elevação dos rendimentos dos trabalhadores em 7,2%, entre 2005 e 2006. É um número extremamente forte, e coerente com os anos anteriores: a remuneração dos trabalhadores vinha caindo desde o final dos anos 1990, e começou a se elevar em 2003, desenhando desde então uma curva ascendente. Este é um número de grande importância, pois a desigualdade é, de longe, o nosso problema número um. É um número que reflete os avanços na criação de postos de trabalho vistos acima, e também os avanços no salário mínimo.

O salário mínimo teve um ganho real de 13,3% em 2006 relativamente a 2005, o que representa um salto fortíssimo para os trabalhadores que estão no que se chama hoje de "base da pirâmide" econômica. Consultas com pessoas que trabalham com as estatísticas da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Dieese/Seade sugerem que 26 milhões de trabalhadores foram abrangidos por este aumento. Além disto, como o salário mínimo é referência para o reajuste das aposentadorias, outras 16 milhões de pessoas teriam sido beneficiadas.

Aumento consistente nos salários e avanços no combate à desigualdade – inclusive entre as regiões

Um comentário é necessário aqui: um aumento de cem reais para uma família que tem um rendimento de, por exemplo, 4 mil reais não é significativo. No entanto, cem reais representam, para pessoas que têm de sobreviver com algumas centenas de reais por mês, um imenso alívio, a diferença entre poder ou não poder comprar melhor alimento ou um medicamento para a criança. A utilidade marginal da renda, em termos de impacto para o conforto das famílias, vai diminuindo conforme a renda aumenta. Do ponto de vista econômico, maximizar a utilidade dos recursos do país envolve o aumento da renda dos mais pobres. Isto vale tanto no aspecto social, em termos de satisfação gerada, como em termos de geração de demanda e conseqüente dinamização das atividades econômicas. O pobre não faz especulação financeira, compra bens e serviços. Tirar as pessoas da pobreza não é caridade, é bom senso social, e bom senso econômico.

Outra forma de a PNAD avaliar a evolução dos rendimentos já não é por trabalhador, na fonte de remuneração, e sim por domícilio, no ponto de chegada. Isso permite agregar as várias formas de remuneração na família. O rendimento médio domiciliar aumentou em 5,0% em 2005, e em 7,6% em 2006, o que é coerente com os dados de rendimento de trabalho, e torna os dados muito confiáveis, porque convergem. É bom lembrar, para quem tem menos familiaridade com este tipo de números, que um aumento de 7% ao ano significa que o rendimento dobra a cada 10 anos.

Detalhando as cifras acima, vemos outras coisas interessantes. O rendimento no trabalho das pessoas ocupadas, que na média nacional cresceu 7,2%, subiu 6,6% no Sudeste, mas avançou 12,1% no Nordeste. No caso do rendimento dos domicílios, o aumento médio nacional, conforme vimos, foi de 7,6%. Mas no Sul e no Sudeste, foi de 7%, enquanto no Nordeste foi de 11,7%. Ou seja, não só tivemos um forte avanço do conjunto, como a região mais atrasada, cujo avanço é mais importante para o reequilibramento nacional, teve o avanço mais acelerado. Em outros termos, a desigualdade regional está, pela primeira vez, sendo corrigida, e com números muito significativos. Relevantes, sem dúvida, mas ainda muito insuficientes: O rendimento médio domiciliar nordestino representava, em 2005, 52,8% do rendimento do Sudeste, passando para 57,8% em 2006. Um grande avanço, mas um imenso caminho pela frente.

Outro eixo importante de desigualdade está ligado à diferença de nível de remuneração entre o homem e a mulher. Os dados mostram a evolução seguinte: a remuneração da mulher, que equivalia a 58,7% da do homem, em 1996, pulou para 63,5% em 2004; 64,4% em 2005 e 65,6% em 2006. Nota-se uma lenta progressão, partindo de um nível que já é em si extremamente desigual. Ou seja, aqui também a direção é positiva, mas precisamos de muito mais.

Mulher é quase 50% da força de trabalho e estuda mais – porém, arca com afazeres domésticos

A situação da mulher é particularmente afetada pela desagregação da família. Estas cifras extremamente duras aparecem no documento do IBGE sobre Indicadores Sociais 1996-2006. O número de famílias caracterizadas como "mulher sem cônjuge com filhos" passou de 15,8 milhões em 1996 para 18,1 milhões, em 2006. Como há um pouco menos de 60 milhões de famílias no país, isto significa que quase um terço das famílias são carregadas pelas mães — que se não trabalham, não têm renda, e se trabalham, não têm como cuidar os filhos. Trata-se aqui evidentemente de uma situação dramática quando associada à pobreza, e constitui um alvo central do programa Bolsa-Família, cujo sucesso se deve em grande parte também ao fato de as mulheres gerirem melhor os recursos obtidos. Aos que criticam os programas redistributivos, é bom lembrar um outro dado da PNAD, apontando que "cerca de 31% das famílias em que a mulher era a pessoa de referência viviam com rendimento mensal até meio salário mínimo per capita." [2] Do lado positivo, é importante o dado que a PNAD nos traz, de que as mulheres estão progredindo rapidamente em termos de nível de estudos: 43,5% delas concluíram o ensino médio (11 anos ou mais de estudos), enquanto apenas um terço dos homens possuía este grau de instrução. As mulheres investem mais também no estudo superior, onde 55,3% eram mulheres em 1996, e 57,5% em 2006. Numa sociedade onde o conteúdo de conhecimentos nos processos produtivos se eleva rapidamente, isto é fortemente promissor.

A presença feminina na força de trabalho continua crescendo: são 43 milhões, num total de cerca de 90 milhões de pessoas ocupadas. No entanto, entre trabalho, estudo e cuidados com a família, além de estar freqüentemente sozinhas na chefia da família, a sobrecarga está evidentemente no limite do suportável. A Síntese de Indicadores Sociais 1996-2006 comenta que "com relação à jornada média semanal despendida em fazeres domésticos, verifica-se que as mulheres trabalham mais que o dobro dos homens nessas atividades (24,8 horas)".

Ou seja, nesta outra dimensão tão importante da desigualdade, a que se materializa na desigualdade de gênero, constatamos avanços na remuneração relativa, avanços nos estudos, avanços na força de trabalho, mas tudo ainda enormemente injusto para uma visão de conjunto que temos caracterizado, em outros trabalhos, de "reprodução social" no sentido amplo. Os desequilíbrios estruturais herdados são simplesmente muito grandes.

Educação: um mundo à parte, marcado pelo avanço nos anos de estudo e por... analfabetismo alarmente

Outra dimensão que vale a pena comentar é que tanto a PNAD 2006 como a Síntese de Indicadores Sociais 1996-2006 documentam amplamente, são os avanços no nível da educação. Para já, é um mundo: no Brasil, são 55 milhões de estudantes, 43,7 milhões na rede pública, e 11,2 milhões na rede privada. Se incluirmos professores e sistema de apoio administrativo, temos aqui quase um terço da população do país. A expansão quantitativa maior deu-se na gestão anterior à do presidente Lula, mas os avanços continuam fortes.

Em particular, com a lei 11.274 de 6 de fevereiro de 2006, o ensino fundamental expande-se para 9 anos, com início aos 6 anos de idade. A taxa de escolarização no grupo de 5 e 6 anos aumentou em 3% em um ano. O número dos que não freqüentavam a escola nesta idade caiu de 35,8% em 1996, para 23,8% em 2001, e para 14,7% em 2006. Na classe de 7 a 14 anos, a queda dos que não freqüentavam a escola foi de 8,7% para 3,5% e 2,3% respectivamente. Para a classe de 15 e 17 anos, foi de 30,5%, 18,9% e 17,5% respectivamente. O número médio de anos de estudo completos das pessoas de 10 anos ou mais de idade foi de 6,8 anos em 2006, um aumento de 3% relativamente ao ano anterior.

No ensino superior, houve um aumento muito forte, de 13,2%, entre 2005 e 2006. Ele deve-se dominantemente à expansão do ensino superior privado, e o papel público de redução das desigualdades aparece claramente na distribuição entre os dois sistemas: "Enquanto nas Regiões Norte e Nordeste 41,9% e 36,6% dos estudantes de nível superior freqüentavam a rede pública, nas Regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, estes percentuais eram de 18,2%, 22,1% e 26,5%, respectivamente" [3].

Aqui ainda, a direção é correta, mas o atraso a recuperar é imenso. Ao analisar a escolaridade da população ocupada, a PNAD constata que as pessoas com 11 anos ou mais de estudo, eram apenas 22,0% em 1996, 28,9% em 2001 e 38,1% em 2006. A progressão é forte, e se deve particularmente ao esforço educacional das mulheres ocupadas, entre as quais 44,2% tinham escolaridade de 11 anos ou mais, em 2006. Na outra ponta, temos 15 milhões de analfabetos de mais de 10 anos (redução de 10,2% para 9,6%). O analfabetismo funcional atingia 23,6% das pessoas com mais de 10 anos (redução de 1,3% ponto percentual), sendo que no Nordeste atingia 35,5%. Evidentemente, está entre as duas pontas a imensa massa dos sub-qualificados do país.

Um caminho: reivindicar a ampliação das políticas sociais — ao invés de tentar desmoralizá-las

Se resumirmos um pouco a evolução, constatamos uma forte expansão do emprego (particularmente do emprego formal), um aumento da renda do trabalho em geral (e em particular no Nordeste), uma progressão significativa da escolaridade e da remuneração feminina, um forte aumento da população ocupada com 11 ou mais anos de estudo, além da redução do trabalho infantil e outras tendências que não temos espaço para comentar aqui. Estes números são coerentes entre si e convergem para uma conclusão evidente: está se fazendo muito, os resultados estão aparecendo.

A apresentação destas políticas como "assistencialistas" não tem muito sentido: os 12,5 bilhões de reais para a agricultura familiar constituem um apoio à capacidade produtiva. Os R$ 8,5 bilhões do Bolsa-Família constituem um excelente investimento na próxima geração que será melhor alimentada – além do impacto essencial de inserção deste nosso quarto-mundo nas políticas públicas organizadas do país. O aumento do salário mínimo, junto com os outros programas mencionados, começa a dinamizar a demanda popular e a estimular pequenas atividades produtivas locais [4].

Ou seja, estaremos talvez atingindo um limiar a partir do qual a renda gerada na base da sociedade começa a se transformar num mecanismo auto-propulsor. Para isto, teremos de avançar muito mais. O que está em jogo aqui não é apenas ajudar a massa de excluídos deste país. É gerar uma dinâmica em que renda, educação, apoio tecnológico, crédito e outras iniciativas organizadas de apoio permitam realmente romper as estruturas que geraram e reproduzem a desigualdade. A pressão sobre este governo é positiva, quando se leva em consideração os avanços realizados, e se reivindica a ampliação das políticas, não a sua desmoralização [5].

O que se torna evidente, ao analisarmos estes dados, é que a população mais desfavorecida do país votou no segundo turno não por desinformação, mas por sentir que a sua situação está melhorando. Falar mal do governo, entre nós, é quase um reflexo, acompanha a cerveja como o amendoim. Falar bem dele parece até suspeito, como se fosse menos "objetivo". Mas falar mal pode ser igualmente suspeito. Muito mais importante é entender o que está acontecendo. Por trás do palco da política oficial que a imprensa nos apresenta a cada dia, e que é o lado mais visível dos grandes discursos, há o imenso trabalho organizado de milhares de pessoas que estão tocando progamas, literalmente tirando leite de pedra numa máquina de governo que, por herança histórica, foi estruturada para administrar privilégios, e não para prestar serviços.

MAIS

IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Síntese de Indicadores 2006: Comentários

IBGE — Síntese de Indicadores Sociais 2007 – Uma análise das condições de vida da população brasileira 2007 – está disponível aqui

NOTAS

[1] IBGE, PNAD 2006. A Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio, para quem não está familiarizado, constitui o principal instrumento de avaliação de como anda a situação das familias no país. A PNAD 2006 entrevistou 410.241 pessoas, em 145.547 domicílios, e representa a situação real de maneira confiável, ainda que desagregável apenas ao nível de Grandes Regiões ou de Estados, o que encobre desigualdades locais, perdidas nas médias. Os dados estão disponíveis online, nos "Comentários 2006"

[2] Ver os dados na Sintese de Indicadores Sociais 1996-2006 do IBGE, gráfico 4.1, e páginas seguintes, doc. s.p. – O documento completo, Síntese de Indicadores Sociais 2007 – Uma análise das condições de vida da população brasileira 2007 – está disponível aqui. Sobre as tendências de desagregação da família, ver o nosso artigo "Economia da Família", sob a rubrica Artigos Online no site www.dowbor.org

[3] IBGE, PNAD 2006, Comentários, p. 7

[4] Vale a pena consultar o sistema de seguimento dos 149 programas sociais distribuídos entre vários ministérios, disponível sob "Geração de Emprego e Renda", em www.mds.gov.br: cada programa é apresentado com os seus objetivos e custos, além de contato para quem precisar de mais informação

[5] Para o conjunto de propostas relativas á dinamização do "andar de baixo" da economia, ver Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local, www.dowbor.org sob Artigos Online.